As portas fechadas na pandemia foram a abertura para a criação da APTK Spirits, empresa de drinks engarrafados com origem no balcão do bar Apothek, do bartender Alê D’Agostino. E, na sequência, para a sua união com a Ice4Pros, fabricante de gelos para coquetelaria criada em 2017, por Rodrigo Campos.
Formalizada no início de 2021, a fusão deu origem à holding Small Batches e foi costurada por Luiz Paulo Foggetti, investidor das duas empresas, que passou a ser o sócio majoritário do grupo. E, como “brinde”, atraiu uma série de aportes que, somados, totalizaram R$ 14,1 milhões e 39 investidores.
Além dos recursos, os novos sócios reforçaram a operação com bagagens diversas. Entre outros nomes, a lista incluiu Carlos Moura, ex-diretor-executivo do Campari Group no Brasil; Marcello Gonçalves, sócio da Domo Invest; e Ricardo Natale, fundador do Experience Club.
Entretanto, muito além dos negronis, cosmopolitans e afins, com o tempo, a combinação dessas doses resultou em um coquetel explosivo, cujo ingrediente mais recente é uma ação judicial na qual 20 acionistas minoritários pedem a destituição de Foggetti do posto de CEO da Small Batches.
“A marca ainda é muito forte, mas, infelizmente, não temos acesso a nenhuma informação. Os investidores foram exilados da administração”, diz Marcello Gonçalves, da Domo Invest, ao NeoFeed. “Decidimos entrar com a ação pela total falta de transparência que norteou os três anos dessa relação.”
Juntos, os minoritários que encamparam a ação detêm uma fatia de 25,41% da operação, contra 71,22% de Foggetti. Nessa composição, Rodrigo Campos, o fundador da Ice4Pros e segundo maior acionista da holding, reforça alguns dos componentes que sustentaram a decisão de recorrer à Justiça.
“Sou a prova viva desse exílio. Nunca fui chamado pelo Luiz para nenhuma reunião de conselho até essa situação explodir”, diz. “Ele não abre espaço para diálogo, se comporta como o único acionista e não tem a humildade de entender que é um bom vendedor, mas um péssimo administrador.”
Foggetti responde a essa afirmação. “Cada um tem o direito de reagir, do jeito que lhe cabe, na Justiça”, diz ele ao NeoFeed. “E essa, talvez, seja a opinião de um grupo muito limitado. Eu tenho uma longa história de construção e, para poder opinar, é preciso estar mais perto da companhia.”
Questionado sobre os alegados problemas de governança da holding, que seriam uma barreira para essa proximidade, ele ressalta que, em qualquer empresa, existem divergências sobre como conduzir a operação e que essas discordâncias são “saudáveis e positivas”.
Mas faz algumas ressalvas: “É lógico que uma startup não começa com todos os princípios de governança que deveriam vigorar sobre ela”, afirma Foggetti. “Nós temos quatro anos de vida. Nem tudo dá para ser aplicado da forma como uma grande empresa requer. Existe um tempo para que isso seja feito.”
Mea culpa
Essas rusgas tiveram início em junho de 2023, três meses após uma última rodada, de R$ 4 milhões, que avaliou a holding em R$ 100 milhões e ampliou ainda mais o seu captable. Na época, os minoritários manifestaram o interesse de participar ativamente nas definições dos rumos da operação.
“O projeto envolve indústria, marca, varejo, não é algo trivial. Daí a nossa preocupação de trazer essas inteligências no entorno”, diz um investidor, em condição de anonimato. “Mas foi aí que entramos em um choque. Definíamos muitas diretrizes, mas, no dia seguinte, ele seguia sua própria agenda.”
Em uma das tentativas para virar a chave nessa nova fase, os investidores propuseram a formalização de um acordo de acionistas, uma etapa que, rodada após rodada, ainda não fora cumprida. Questionado sobre esse ponto, Gonçalves, um dos primeiros sócios a embarcar na operação, faz um mea culpa.
“Eu agi totalmente de boa fé e contra os princípios de qualquer bom investimento. E acabei não fazendo a diligência do fundador da maneira como deveria”, diz Gonçalves. “Assim como não exigi o acordo de acionistas na largada. E me arrependo amargamente por isso.”
Na ação que corre na Justiça, os minoritários apontam, porém, que as tentativas feitas posteriormente para a celebração de um acordo de acionistas foram “frustradas” por Fogetti.
“Eu sempre estive aberto a um acordo e nós chegamos a pensar juntos sobre isso, mas, por algum motivo, ele não se concretizou”, afirma Fogetti. “Estabelecer as regras é muito importante, mas temos que chegar a um acordo razoável e que não seja leonino para nenhuma das partes.”
A assinatura de um acordo era também uma condição para que outra iniciativa ganhasse fôlego: uma série de mudanças na gestão da holding propostas pela VBMC Consultores, com base em uma análise de três meses sobre a operação feita no segundo semestre de 2023.
“O acordo de acionistas era um primeiro passo, pois precisaríamos de mais recursos para montar comitês tributários, financeiros, de marketing e de produtos”, diz Nuno Marçal, sócio-fundador da VBMC. “Ficamos seis meses em negociações e não fechamos a proposta. Não havia condições.”
O trabalho da consultoria deixou como legado, porém, um diagnóstico sobre o grupo. Esse balanço trazia pontos positivos. Entre eles, o valor da marca e a “força do empreendedorismo e do pioneirismo” de Foggetti. Assim como as competências e capacidades de investimento dos acionistas.
As questões desfavoráveis, no entanto, sobressaíram. O pacote incluiu desde a “total falta de transparência e visibilidade” do negócio, até a falta de gestão, planejamento estratégico, direcionamento, monitoramento de resultados e controles. Inclusive na ponta dos estoques.
“Havia muitos minoritários dispostos a contribuir, sem qualquer remuneração. Mas o Luiz não gostava dessas iniciativas, porque, segundo ele, isso iria confundir o comando”, diz Marçal. “A empresa crescia de qualquer maneira, totalmente desorganizada, e vendia o almoço para comprar a janta.”
Entre tantos pontos desfavoráveis, um elemento, porém, chamou ainda mais a atenção dos minoritários. A consultoria destacou uma série de inseguranças tributárias, com um potencial elevado de trazer sérias contingências para a holding.
Segundo a petição judicial dos investidores, esses riscos acabaram se materializando em um passivo tributário de R$ 7,2 milhões até fevereiro de 2025, quando a ação foi impetrada. O texto destaca ainda uma série de protestos contra a holding que, até essa data, somavam R$ 6,7 milhões.
“Todo o planejamento tributário está sendo bem conduzido por advogados de extrema competência”, diz Foggetti. “E todas as medidas cabíveis para equacionar qualquer parte estão sendo tomadas de maneira legal e ultratransparente.”
Na contramão dessas afirmações, os minoritários alegam na ação que Foggetti criou uma “verdadeira caixa preta”, deixando de compartilhar as poucas informações que eram divididas com o grupo. Além de bloquear, “em flagrante ocultação de práticas temerárias de gestão”, qualquer tentativa de fiscalização, e de deixar de registrar os livros contábeis da empresa.
“Hoje, o grande dilema é que o Luiz desrespeita os investidores”, diz um desses acionistas. “E o nosso grande receio é o coelho tenebroso que pode sair da cartola quando abrirmos essa caixa preta. E não só do tamanho do rombo fiscal, mas de ajuste de inventário e de produtos.”
No decorrer de 2024, esses minoritários enviaram diversas notificações extrajudiciais a Foggetti, com dois propósitos. Primeiro, para criar um canal de comunicação formal com o CEO. E, ao mesmo tempo, para se protegerem legalmente e deixarem claro que estavam esgotando todas as suas alternativas.
Em paralelo, diante da alegada ausência de prestação de informações por parte de Foggetti, os acionistas minoritários votaram pela reprovação das contas de 2021, 2022 e 2023 da holding em assembleia realizada em maio do ano passado.
Nesse contexto, além da destituição do cargo de CEO, a ação dos minoritários envolve outros pleitos. Entre eles, a divulgação dos livros contábeis e de dados e documentos sobre questões fiscais e judiciais da companhia.
Outro pedido é a suspensão da reeleição de Foggetti como CEO, até 2028. Algo que foi deliberado em assembleia realizada em 25 de fevereiro de 2025, na qual, segundo a ação, o próprio executivo votou a seu favor, “ignorando completamente o consenso dos demais votantes”.
Sobre essa questão, Fogetti observa que a renovação do seu prazo à frente da companhia não foi feita à revelia dos demais acionistas. E recorre a uma comparação para ressaltar o seu papel de sócio majoritário na Small Batches.
“Você é dono de 70% do seu carro e acha que precisa seguir uma avenida, enquanto sua esposa quer ir para outro lugar”, diz. “Mas o carro é predominantemente seu, então, a maior escolha nesse arranjo também é sua. Está tudo dentro da legalidade.”
Nesse percurso, o processo dos minoritários foi seguido por uma primeira decisão que deferiu parcialmente a tutela de urgência para determinar a intervenção judicial na Small Batches e a contratação de uma auditoria, no âmbito da ação, para avaliar as alegações desses acionistas.
Na sequência, uma liminar da outra parte teve indeferido o seu pedido de efeito suspensivo para esse recurso. À parte desses trâmites, Foggetti observa que a sua gestão está respondendo a esse movimento da forma mais “profissional, transparente e ética”.
Entre os avanços que já teriam sido conquistados, especialmente na governança, o CEO cita a instituição de um conselho consultivo, com cinco presidentes de grandes empresas, os quais ele não revela os nomes.
Ele também ressalta a aprovação, “há cerca de 20 dias”, de todas as contas da operação pelo conselho fiscal da holding, que é formado pelo próprio Foggetti e por dois membros independentes indicados por ele, além de um minoritário. Questionado sobre um possível desequilíbrio nessa composição, ele rebate.
“Eu não estou preocupado. O importante é que as contas foram aprovadas por unanimidade”, afirma. “Inclusive pelo acionista que representa os minoritários”. Entretanto, essas informações são contestadas por Gonçalves, da Domo Invest.
Inicialmente, ele ressalta que, pela legislação, essas contas – referentes a 2024 e não a “todos os anos” – ainda precisam ser submetidas à aprovação em assembleia. E que, mesmo no âmbito do conselho fiscal, o resultado não foi exatamente o alegado por Foggetti.
“Nosso conselheiro aprovou com ressalvas. Ou seja, não foi por unanimidade”, diz ele. “Estamos esperando que a administração marque uma assembleia para que todos nós possamos votar individualmente, como foi feito de 2021 a 2023, onde todas elas foram rejeitadas.”
Mais uma dose?
Se os investidores fazem menção a uma caixa preta na Small Batches, há indícios de que existe uma bomba relógio prestes a trazer outros impactos para a holding: a operação da APTK Malls, que reúne as operações de varejo do grupo, com lojas próprias e franquias.
Um dos grandes riscos reside nessa última ponta, onde, conforme apurou o NeoFeed, os franqueados avaliam entrar com uma ação judicial contra a companhia. Essa medida tem origem em uma série de políticas atribuídas a Foggetti. Entre elas, os erros cometidos no posicionamento da marca.
“Ele começou a distribuir produtos da APTK em todo lugar, criando uma concorrência com as franquias”, diz uma fonte próxima a empresa. “O franqueado vê que estão vendendo os mesmos produtos da sua loja no Atacadão, no Mercado Livre, no Magazine Luiza, no empório da esquina. E com preços menores.”
Nesse contexto, há uma onda crescente de encerramentos de operações – próprias ou franquias. De uma base que, em seu auge, chegou a ter 18 lojas, a projeção é de que esse portfólio cairá pela metade nesse mês de junho, com o fechamento de cinco franquias somente no estado de São Paulo.
No formato de quiosques, as franquias demandam um aporte entre R$ 300 mil e R$ 350 mil. Em lojas, o valor varia de R$ 400 mil a R$ 500 mil. “O negócio está virando pó. E ele insiste que está tudo bem”, diz outra fonte próxima ao grupo. “Roma está pegando fogo e o Nero está tocando harpa.”
Questionado, Foggetti diz desconhecer qualquer informação sobre problemas nessa ponta. E observa que existe uma preocupação “constante” de melhorar essa frente, com avanços recentes em sistemas de treinamento e mudanças previstas, em breve, nos softwares de ponto de venda.
“Estamos chegando em mais lugares do Brasil”, diz Foggetti. “O número de franquias está aumentando e temos visto uma procura cada vez maior pelas lojas. Então, vamos seguir crescendo, lançando produtos e construindo a marca.”
Entre os investidores, Rodrigo Campos discorda e aponta outros problemas. “Além de uma política de preços completamente errada para os franqueados, há uma criação absurda de SKUs que não foram testados, não vendem, não levam a nada e só queimam caixa”, afirma Campos. “O grupo está afundando em dívidas e tudo isso por uma pessoa absolutamente centrada no seu ego.”