Noite adentro, no Centro de Fortaleza, nas margens da fundação da cidade de quase 300 anos, desponta um dos principais polos comerciais têxteis do Nordeste. A vocação da madrugada da capital cearense ganha força com uma feira que leva o mesmo nome do turno em que acontece e que modifica a paisagem de vários cartões-postais do município às terças e sextas.
A Feira da Madrugada de Fortaleza acontece no Centro e inclui ainda o tradicional Polo de Moda da José Avelino, que engloba, além da rua de mesmo nome, vias adjacentes e espaços como o Buraco da Gia.
São quase cinco mil comerciantes, segundo dados da Prefeitura da Capital, que montam barracas e abrem as lojas geralmente entre o fim da noite das terças e sextas-feiras até o início da manhã das quartas e sábados.
Os feirantes surgem principalmente na rua José Avelino, mas a realização do comércio de rua se estende muito além do local e sobe no rumo da Catedral Metropolitana e do Paço Municipal. Nas vias, os vendedores iniciam as vendas ao longo da madrugada, e ganham o complemento do Polo de Moda, único a se estender até a tarde do dia seguinte.
A realização da Feira da Madrugada, no entanto, sofre diversos obstáculos, e tem como maior desafio atualmente a legalização e a organização ao redor do berço de nascimento de Fortaleza, pois não há infraestrutura adequada para o fluxo de feirantes e clientes. Dentre as certezas, fica claro o fortalecimento do comércio formal — e informal — na região.
O Diário do Nordeste passou os últimos dois meses percorrendo da periferia à área nobre da Capital, e tenta desvendar o porquê de a Feira da Madrugada ser um importante polo financeiro fincado no Centro de Fortaleza. Está é a terceira e última matéria da série especial Negócios da Madrugada, que busca desvendar o que faz a economia da cidade girar entre meia-noite e seis da manhã.
Rompendo o silêncio com uma gargalhada: feirantes se divertem e buscam a renda familiar na feira
Com comércio ativo ao longo de toda manhã, o Centro de Fortaleza vira praticamente um deserto urbano após às 18 horas. Clientes e comerciantes vão embora e deixam lojas e vias vazias. Essa realidade, no entanto, é diferente no fim da noite de terças e sextas-feiras.
O silêncio habitual e os sons de poucos veículos que passam pelas vias dos arredores da Catedral Metropolitana de Fortaleza dão lugar a um frenético barulho metálico das barracas e às gargalhadas, principalmente de meia-noite em diante, de comerciantes e clientes. O clima informal e descontraído vem ainda combinado com a necessidade em buscar o sustento familiar.
Sou muito feliz. Aqui a gente acha graça, a gente brinca, às vezes sai feliz, às vezes desmotivado porque não vendeu, mas temos que agradecer e pensar que amanhã vai ser melhor”.
A rotina da feirante Luzilane Sousa é a mesma há mais de dez anos na feira. Vendedora de roupas infantis, ela sai de casa, por volta das 21 horas, da Barra do Ceará, onde mora, para se instalar na calçada da avenida Alberto Nepomuceno em frente ao Mercado Central.
Optar por trabalhar na madrugada não foi fácil, mas sim uma necessidade para Luzilane. Segundo ela, a escolha de montar uma barraca na feira é porque “foi o único lugar que senti confiança”. Antes de ir para o local, ela era costureira; agora, tem pessoas que fabricam para a comerciante as peças comercializadas no espaço.
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Comerciantes criam laços em busca de aguentar rotina exaustiva da madrugada no entorno da Feira
Ismael Soares
“É uma coisa que gosto é do meu trabalho. Se eu não trabalhasse aqui, não sei, mas trabalhar para mim, é o que gosto de fazer O sustento da minha família vem do meu esposo, primeiramente. Eu só ajudo. Tem que correr atrás. O maior desafio é enfrentar a noite, deixar a família em casa para vir conseguir o ganha-pão”, reflete.
Ainda segundo a vendedora, a Feira da Madrugada, embora seja um lugar essencial na sua rotina, “precisa melhorar” para os comerciantes terem um dia a dia digno. “Aqui não tem banheiro, necessita organizar os quiosques”, lamenta Luzilane Sousa.
Sustentar a família em um ambiente mais organizado, pedem comerciantes
Durante a apuração da reportagem em dias da Feira da Madrugada de Fortaleza, o que mais se observou é a quantidade de mulheres que comercializam, confeccionam e mantêm as próprias barracas. Muitas delas são as chefes da família e levam esposos, filhos e demais familiares para auxiliar na busca pelo sustento familiar.
É o caso de Marciana Alves, que vende roupas de moda praia para o público feminino há mais de cinco anos na calçada da Catedral Metropolitana e levou o esposo para ajudá-la na rotina. Ela sempre trabalhou com confecção, e encontrou um lugar propício na feira para unir o útil ao agradável.
“É a forma de eu levar o sustento para casa. Eu já sabia fazer e resolvi juntar os dois em um. Já trabalhei com outras coisas, mas o que mais gostei de trabalhar foi com moda praia. As vendas são boas, principalmente quando vai se aproximando das férias — meio do ano — e no final do ano vai só melhorando”.
Para ela, os dias de comércio de rua no Centro da Capital são “muito importantes porque gera muito dinheiro”, mas ainda há entraves, que envolvem a legalização dos ambulantes e a organização do espaço.
A gente não ser legalizado e a prefeitura sempre estar batendo de frente com a gente, não dá para trabalharmos à vontade. Aqui precisa ser organizado para a gente trabalhar em paz”.
Aline Sales mora em Pacajus, na Região Metropolitana de Fortaleza, mas sai antes das 21 horas de casa com vários familiares e muitas mercadorias — vestidos longos — para serem comercializadas na feira, mais precisamente em uma calçada ao lado da Catedral.
Essa rotina é comum na vida da comerciante há 11 anos. Ela começa a atrair clientes a partir das 22 horas, e fica vendendo os vestidos até às 7 horas. Nesse horário começa a passar o “rapa”, nome como os ambulantes designam informalmente os agentes da Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) e da Guarda Municipal de Fortaleza (GMF).
“Antigamente, era uma fiscalização mais rígida. Hoje, juntando as peças, eles não tomam a mercadoria, mas se você ficar e insistir, na segunda vez eles tomam a mercadoria”, revela a vendedora.
O grande fluxo da feira, segundo Aline, começa mesmo a partir das 3 horas da manhã, quando começam a vir os sacoleiros — vendedores ambulantes do interior e de outros estados que vão para o local comprar no atacado. Antes disso, a maior parte é de clientes da Capital, que buscam aproveitar os preços mais atrativos dos comerciantes.
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Movimentação começa no fim da noite e se estende pela madrugada na Feira
Ismael Soares
Aqui movimenta muitas lojas. Tem muito autônomo que vêm, vende comida, água. É uma cadeia onde todos precisam um do outro. O que a gente ganha pode ser pouco, mas se for de quantidade grande, é melhor”.
“Vem gente do Piauí, Maranhão, Rio Grande do Norte, Bahia. Não é quente, não tem Sol, o fluxo de carros é menor. O horário que começa o pico dos veículos, a gente já está saindo da Feira, eu gosto desse horário”, elenca Aline, que ainda clama por regularização junto aos órgãos públicos.
“Sendo regularizada, não tenho medo de, a qualquer instante, algo dar errado. Vamos supor: deu o horário e estou atendendo o cliente. Tenho que deixar de atender porque se não pode ser tomada a mercadoria. Regularizado não, tem toda uma segurança”, avalia.
Não é somente o comércio de mercadorias e demais artigos de vestuário que toma as ruas do entorno da Feira da Madrugada, como defende Aline Sales. De lá, dependem uma série de famílias que vivem, ainda que indiretamente, do local.
Feira da Madrugada de Fortaleza já é conhecida em todo o Brasil
A auxiliar administrativa Luziane Geremias é natural de Tubarão, no sul de Santa Catarina, veio à capital cearense pela primeira vez no fim do ano passado e retornou neste ano para passar férias. Desta vez, trouxe amigos e familiares para, pela primeira vez, andar pela Feira da Madrugada, que de acordo com a catarinense, é “muito famosa”.
Para negociar o preço, melhor o dono. É mais fácil conseguir descontos, porque você está falando com o dono do produto, e só ele sabe se vale a pena negociar ou não. Chegamos aqui 22h40, já estava na movimentação. Estavam todos começando a montar as barracas, e quando vimos que foi lá para baixo e continuou indo, não queria era sair daqui”.
“Aqui movimenta todas as classes sociais, desde quem pode levar para revender, desde quem veio aqui como a gente para ‘turistar’. Compra um pouquinho de um, de outro. Todo mundo sai ganhando. O próprio dono sabe o valor do produto”, diz.
A máxima do dono é em virtude de a maioria dos comerciantes estabelecidos na feira serem microempreendedores, isto é, os pequenos empresários que, além de trabalharem nos bastidores, são os rostos das vendas.
A vocação da ‘boemia comercial’ da Feira da Madrugada de Fortaleza foi notada por Claudemir da Silva, presidente da Associação dos Profissionais Feirantes do Estado do Ceará (ASPFEC). Ele, que também é conhecido como Irmão Cláudio ou “Só Vitória”, espécie de bordão adotado no dia a dia, mostra em números que o local recebe milhares de pessoas.
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Arredores da rua José Avelino viram vitrines ao ar livre para lojistas e clientes
Ismael Soares
“Acredito que muito mais de 10 mil pessoas passam por aqui por feira. A população precisa saber que na madrugada, enquanto muitos estão dormindo, tem muita gente trabalhando e tentando levar o pão de cada dia para os seus lares”, reforça.
Essencialmente, a maioria dos comerciantes do local vende roupas femininas, mas existe ainda a venda de peças masculinas, infantis, calçados e acessórios. Ao todo, a Feira da Madrugada de Fortaleza perpassa por pelo menos 14 ruas e avenidas da região central da cidade, sendo elas:
- Alberto Nepomuceno;
- Baturité;
- Bóris;
- Castro e Silva;
- Conde d’Eu;
- Doutor João Moreira;
- General Bezerril;
- Governador Sampaio;
- Pessoa Anta;
- Presidente Castelo Branco (Leste-Oeste);
- Rufino de Alencar;
- São José;
- Senador Almir Pinto;
- Sobral.
Maior polo comercial têxtil da Capital é importante gerador de empregos
A feira que acontece em Fortaleza não tem uma data exata que marca o seu início. Foi ao longo dos anos 2000 que o comércio ambulante de roupas deixou de ficar restrito aos galpões do Centro e ganhou a José Avelino e demais ruas do entorno.
A feira aquece a economia do município e de todo o Estado. O olhar público dando uma atenção maior, a gente com certeza vai conseguir manter e ter a organização. Se a gente conseguir mesmo e está tudo alinhado que a gente possa conseguir ter êxito, é importante para que o pai e a mãe de família consiga levar o pão de cada dia”.
Não se trata de uma experiência inovadora no País, que tem consolidadas grandes edições do gênero, como na região do Brás, em São Paulo. Ao longo dos anos, porém, o crescimento desenfreado e, consequentemente, desordenado, transformou a realização da feira em um problema constante.
O titular da associação que representa os feirantes do Estado ainda aponta que, na época do início da pandemia, há cinco anos, cerca de 3 mil comerciantes estavam no local em cada edição. De acordo com a Prefeitura de Fortaleza, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (SDE), o número subiu para 4,8 mil.
Claudemir Veras, entretanto, afirma que esse número não reflete a realidade da geração de empregos. Segundo o presidente da ASPFEC, o número de postos de trabalho diretos supera a casa “de 5 mil, mas tem mais de 50 mil empregos indiretamente. O setor têxtil cearense como um todo sobrevive dessa feira”.
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Comércio fortalecido gera 5 mil empregos diretos na Feira da Madrugada, diz presidente da ASPFEC
Ismael Soares
Feira da Madrugada sofre com falta de infraestrutura e de regularização
Ao contrário do que acontece com os lojistas do Polo de Moda José Avelino, que mantêm lojas e boxes dentro de galpões ao longo do entorno das ruas e avenidas, os vendedores da feira encaram diariamente uma série de desafios.
Por ser um comércio informal, ou tudo funciona improvisadamente, ou simplesmente não tem. Isso inclui área de alimentação e hidratação, que fica por conta própria de lojistas e clientes, banheiros, iluminação e até mesmo estacionamento para carros, motos e ônibus de sacoleiros, espaços inexistentes de forma apropriada.
Ela não precisa ser só reconhecida no município, mas em todo o Brasil. É a Feira da Madrugada, o Brasil todo tem que entender, assim como no Brás (São Paulo). É isso que estamos querendo: abraçar a bandeira, levantar as mãos, e fazer com que esse espaço público seja aproveitado de uma forma fantástica, e todo mundo ganha com isso”.
É isso que Claudemir Veras elenca como principal desafio para a questão da feira. Por ocupar faixas das ruas e avenidas, o trânsito precisa ser alterado ou parado, mas não há mínima organização governamental que dê segurança tanto para quem transita pelo local como para vendedores e clientes.
“A questão do trânsito interfere muito, mas já disse para nos dar as ferramentas que a gente sabe como fazer. A gente sabe onde o sapato aperta. Vivo daqui, sou feirante, minha família depende daqui. Essa feira leva emprego até para fora do Estado. O que a gente pede para o Poder Público é que tragam os ônibus com os clientes para que eles possam sair satisfeitos, tanto na hotelaria, como o pessoal de aplicativo. É uma cadeia enorme que estamos tentando conseguir junto ao Poder Público”, pontua.
Com a realização ainda improvisada e limitada estruturalmente da feira, desponta no Nordeste com força o Polo de Confecções do Agreste, formado pelas Feira da Sulanca de Caruaru, Feira do Jeans de Toritama e pelo Moda Center de Santa Cruz do Capibaribe, em cidades vizinhas em Pernambuco. Elas são realizadas dentre outros horários, na madrugada de quinta para a sexta-feira (Caruaru) e de sábado para domingo (Toritama) e ao longo de praticamente toda a sexta (Santa Cruz do Capibaribe).
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Feira do Jeans de Toritama também acontece de madrugada. Município em Pernambuco é responsável por mais de 15% da produção e comercialização de jeans no País, segundo a gestão municipal local
Prefeitura de Toritama/Divulgação
Ambas contam com grande infraestrutura para receber vendedores, sacoleiros e clientes do varejo, além do apoio das respectivas prefeituras e do Governo do Estado de Pernambuco, situação que precisa ser estabelecida em Fortaleza para fomentar o comércio da Feira da Madrugada da capital cearense, como assinala Claudemir Veras.
50 mil
Esse é o número de empregos gerados pela Feira da Madrugada indiretamente, conforme dados da ASPFEC.
“O que a gente quer ver com a gestão pública é de que Caruaru, em Pernambuco, ganhou mais espaço do que Fortaleza. Lá, eles têm o apoio do Poder Municipal e do Poder Estadual. Isso é o que a gente quer implantar para o feirante informal de Fortaleza, ter esse reconhecimento”, dispara o presidente da ASPFEC.
Como fica o trânsito na região da Feira da Madrugada?
As informações obtidas pelo Diário do Nordeste a partir dos relatos de vendedores e clientes ocorreram entre abril e maio deste ano. Em junho, a Prefeitura de Fortaleza informou, por meio de diversas pastas e órgãos vinculados, que iniciou uma série de ações no entorno da Feira da Madrugada
A reportagem procurou a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) e a Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor) em busca de informações sobre o trânsito na região da feira durante os dias de realização.
Segundo a AMC, existe a “presença contínua” de agentes de trânsito durante a madrugada em Fortaleza. No local, a autarquia intensifica a ação “com o posicionamento estratégico de agentes nas principais vias de acesso à movimentação comercial, como a Avenida Alberto Nepomuceno e a Rua Sobral”.
O órgão afirma que a intenção é garantir a mobilidade urbana principalmente no início da manhã, no fim da realização da feira e no início do maior movimento de carros. Não foram revelados detalhes sobre os desvios orientados aos condutores nos dias da realização do comércio ambulante nas ruas e avenidas do Centro.
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Veículos disputam espaço para tráfego com barracas e manequins na Feira da Madrugada de Fortaleza
Ismael Soares
Já a Etufor pondera que, das 12 linhas de ônibus que rodam em Fortaleza durante a madrugada, no serviço conhecido como ‘Corujão‘, cinco passam pela feira, como os Paranjanas I e II.
“Essas linhas passam pelas Avenidas Pessoa Anta e Alberto Nepomuceno. Durante o percurso, os ônibus seguem os desvios de tráfego indicados pela AMC. Em situações de alteração no tráfego, os motoristas são orientados a manter o trajeto o mais próximo possível do itinerário original, garantindo o atendimento a todas as paradas previstas”, informa a empresa.
Prefeitura de Fortaleza admite problemas, mas afirma estar “organizando” Feira da Madrugada
Ao Diário do Nordeste, a Secretaria Regional (SER) 12, responsável pelo bairro Centro, e a SDE reconheceram os desafios estruturais e legais para a realização Feira da Madrugada de Fortaleza. Apesar disso, prometeram que mudanças serão feitas para melhorar o comércio em cada edição.
O titular da SDE, Antônio José Mota, promete “novidades quando já estiver tudo formatado” para a Feira da Madrugada. De acordo com o secretário, uma ação conjunta da Prefeitura envolve a pasta, a SER 12 e a Secretaria Municipal de Turismo de Fortaleza (Setfor) para estudar as melhores escolhas.
Hoje temos um problema muito grande: termina a feira e fica muito sujo no entorno. Isso é ruim para a cidade. Tem algumas ações que a gente precisa implantar em relação a essa feira, como a instalação de placas de sinalização identificando o espaço como parte de um polo de compras. Isso tudo está sendo criado e pensado também com a criação de leis para que a gente possa regulamentar essa feira. Queremos disponibilizar também os banheiros”.
“Estamos fazendo um trabalho muito grande em conjunto na Feira da Madrugada. Ela integra um importante polo comercial popular, e é reconhecida na questão de ser de madrugada. Nesse acompanhamento mais próximo, estamos em parceria com a SER 12 e com a Setfor para fazer um processo mais qualificado de cadastramento contínuo dos feirantes, onde a gente pode ter o objetivo de promover melhor tanto parte a organização, quanto a qualificação e a valorização do espaço”, comenta.
Essas mudanças na Feira da Madrugada devem inclusive impactar no horário de realização do comércio de rua, atualmente de 23 horas às 7 horas. A tendência é de que ela termine mais cedo, mas ainda sem definição exata.
“O objetivo é promover melhor organização, qualificação e valorização do espaço, garantindo que tanto os trabalhadores quanto os consumidores – cearenses e visitantes de caravanas de diversos estados – tenham um serviço mais eficiente, seguro e estruturado. Em determinados períodos do ano, a Feira da Madrugada pode reunir mais de 10 mil pessoas, entre comerciantes e compradores”, argumenta a SER 12.
“Estamos finalizando o diagnóstico e entrando em um processo de diálogo com a própria feira, ajustando horários e atividades. Estamos trabalhando para que a situação fique organizada. Isso movimenta a economia, não só aqui de Fortaleza, mas vem comerciantes de todo o Brasil para poder estarem ali. Será feita uma divulgação oficial”, declara Antônio José Mota.
Por meio de nota, a SER 12 informa que começou o processamento de cadastramento contínuo dos feirantes para “dimensionar o espaço atualmente ocupado pelos comerciantes e viabilizar, de forma gradual, o ordenamento das atividades”, e pontua que segue as normais previstas na lei que estabelece as diretrizes para o comércio informal de Fortaleza.
Dentre as ações que vêm sendo adotadas para a realização da Feira da Madrugada pela SER 12 estão:
- Placas de sinalização e indicação do “Polo de Moda da José Avelino”;
- Intensificação do serviço de coleta seletiva e limpeza urbana após o fim de cada feira;
- Disponibilização de banheiros químicos às terças e sextas-feiras;
- Novo horário de fim da feira, às 6 horas, em caráter de teste.
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Feira da Madrugada divide espaço com trânsito em frente a cartões-postais, como a Feira da Madrugada
Ismael Soares
Será feito ainda um projeto para “reorganização do estacionamento de ônibus intermunicipais, criação de espaço adequado para carga e descarga, fechamento de vias específicas para uso exclusivo durante a feira”. A avenida Alberto Nepomuceno deve ganhar ainda um novo sistema binário de trânsito enquanto o comércio de rua está sendo realizado, garantindo a acessibilidade à região.
A mudança, ainda que em caráter de teste, de horário do fim da feira, mostrou resultados mais positivos, diz a SER 12, acrescentando que dispersão dos comerciantes às 6 horas é fruto de negociação junto aos comerciantes. A secretaria ainda deixa claro que “não tem planos de transferir a Feira da Madrugada para outro local”.
Sobre a atuação da Agefis, a SER 12 reforça que diariamente os agências do órgão público estão tanto na rua José Avelino quanto no entorno, uma vez que os galpões abrem quase que diariamente em horário de funcionamento que se estende durante o dia no Centro de Fortaleza.
“Conforme estabelece o Art. 889 do Código da Cidade (Lei Complementar nº 270/2019), embaraçar ou impedir o livre trânsito de pedestres e veículos em vias, calçadas e logradouros públicos, sem as devidas medidas preventivas e/ou licenciamento da Prefeitura, constitui infração grave”, finaliza a secretaria executiva.
“Simbolismo” e “rota livre”: com ressalvas, especialistas exaltam Feira da Madrugada
A realização da Feira da Madrugada acontece no local onde há quase 300 anos foi fundada a cidade. De meia-noite às seis da manhã, as paisagens da Catedral, do Paço Municipal, do Mercado Central e da 10ª Região Militar ganham a companhia de milhares de lojistas e clientes.
Para o presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Fortaleza (CDL Fortaleza), Assis Cavalcante, o Centro da capital pouco a pouco vem perdendo público consumidor, e a queda de fluxo chega próximo da metade, de 350 mil para 190 mil clientes por dia.
A gente percebe que não falta consumidor. A Feira da Madrugada na José Avelino funciona muito bem. Os vendedores diziam que as pessoas estavam passando direto para Pernambuco. Já demos algumas alternativas de deixar uma rota interessante livre para a feira. São alternativas para o trânsito porque o Centro precisa desse fluxo”.
As alternativas atualmente encontradas pela Prefeitura para a realização da Feira da Madrugada são consideradas acertadas, principalmente no que diz respeito ao trânsito e às demais facilidades, pois a reclamação dos comerciantes em relação à perda de clientes para Caruaru e Toritama são antigas, enfatiza Assis Cavalcante.
Dados de 2024 da Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará (Sefaz) apontam que o Centro de Fortaleza foi o bairro da cidade que mais arrecadou o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), ultrapassando a casa dos R$ 2,2 bilhões.
A lotação do comércio ambulante no local, por sinal, toca em temas sensíveis, como frisado por Cláudia Buhamra, professora de Marketing da Universidade Federal do Ceará (UFC). Para ela, a Feira da Madrugada até revigora o comércio no Centro de Fortaleza, mas que é preciso ser analisado em um contexto mais amplo.
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Feira da Madrugada gera empregos, mas ocupação desenfreada traz problemas para a região
Ismael Soares
O comércio informal acaba trazendo concorrência desleal com o lojista que paga uma série de impostos e que jamais terá um preço competitivo como alguém que não tem essas obrigações. A Feira da Madrugada, de alguma forma, não evita, mas traz certa acomodação na competitividade com lojistas formais. Tem que ter diferenciais suficientes para o cliente preferir entrar na sua loja e pagar o preço a mais porque pode saber que se amanhã tiver um problema com produto, saber onde é o endereço para vir reclamar”.
Cláudia destaca que a mobilidade urbana de Fortaleza converge para o Centro, bairro da própria feira, e que isso, direta ou indiretamente, favorece a Feira da Madrugada. Os desafios ficam na conta da conservação dos espaços públicos históricos, sobretudo na região que é o próprio berço da cidade.
“Aquela feira traz prejuízos inclusive do lado histórico da cidade. Porque o piso já ficou danificado, porque as estruturas dos galpões às vezes não são suficientes para suportar aquele movimento. Existia inclusive uma cobrança meio informal para ligar a luz, tem muito aproveitador que cobra de metro quadrado no chão para você estar”, expõe.
“Toda a limpeza que foi feita no Centro da cidade, e ainda tinha mesmo essa coisa do resíduo que sobrava depois, parece que voltou tudo para a rua José Avelino. Isso é um problema se não se cuida da preservação histórica do Centro da cidade”, alerta a especialista.