Atrás de um balcão de plástico, em 2012, João Batista Ximenes, hoje com 72 anos, já fazia seus experimentos tendo como elemento principal o açaí, fruto que um dia o levaria a ultrapassar fronteiras.
Após 36 anos ocupando um cargo alto em uma empresa de transportes, alguns ex-colegas e até familiares estranharam a nova ocupação do homem: barraqueiro no Lago Jacarey.
Batista, no entanto, não via problema em ser um ex-executivo trabalhando em uma praça na Cidade dos Funcionários, bairro de Fortaleza, no Ceará. Estava feliz.
E, na barraquinha de açaí, Batista já sabia que aquilo o preparava para algo maior. “Isso aqui é meu estágio probatório”, dizia. Naquele ano, o fruto do Pará ganhava novos contornos em terras cearenses e iniciava o que seria um sucesso absoluto.
A história da Maria Pitanga, marca criada por ele, se entrelaça com o crescimento do mercado de açaiterias no Ceará.
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João Batista Ximenes, hoje com 72 anos, vendia açaí em uma barraquinha no Lago Jacarey
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Usando sua experiência de vida e de negócios na empresa de transporte em que havia trabalhado, João Batista aplicou o que sabia para desenvolver a empresa. Tornou-se distribuidor no Ceará. Quando surgiram as primeiras oportunidades de franquear (mesmo sem ser um franqueador), não as deixou escapar.
“Uma mulher e o esposo chegaram até mim porque eu era representante de um produtor de açaí do Pará e ela queria abrir uma açaiteria. Perguntei se já tinham nome e eles disseram que não. ‘Por que vocês não colocam Maria Pitanga?’, eu disse.
Ela respondeu: ‘Ué, você tem franquia?’ e eu disse: ‘Não, a primeira é você’”, lembra Batista. “Acho que eles gostaram da minha ousadia”, revela, aos risos.
Hoje, a Maria Pitanga tem mais de 200 franquias espalhadas pelo Brasil e exterior, com presença em quase todo o Nordeste, exceto em Sergipe. Em 2022, a empresa quebrou barreiras continentais: abriu uma unidade em Portugal e, dali, o negócio cearense foi se expandindo para a Espanha e chegou a Angola, na África.
As franqueadas recebem os blends (misturas com outros ingredientes especiais) de açaí produzidos na indústria da Maria Pitanga, em São Gonçalo do Amarante, região metropolitana de Fortaleza, por avião.
Inauguração de fábrica e expansão para os Estados Unidos
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João Batista agora se prepara para se estabelecer nos Estados Unidos
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A estrutura em São Gonçalo do Amarante foi inaugurada em 2015 e emprega 26 pessoas. Antes disso, a Maria Pitanga teve uma fábrica menor próximo à Arena Castelão e o empresário já sonhava com o que estava por vir.
“Lá no Castelão, eu sempre dizia sobre montar uma indústria. As pessoas falavam que eu era louco, porque era longe, mas eu já pensava em ficar perto do Porto do Pecém”, lembra o empreendedor.
Assim, com a franca expansão da marca no exterior (já são 16 unidades fora do Brasil), nos próximos meses devem sair os primeiros contêineres rumo ao Porto de Lisboa, para, de lá, chegarem às unidades Maria Pitanga na Europa.
João Batista agora se prepara para se estabelecer nos Estados Unidos, especificamente nas cidades de Austin, Houston e San Antonio, no Texas. “A logística está no meu sangue. Para mim, isso é como brincar de videogame”, revela.
O conhecimento logístico é um diferencial no processo de internacionalização de uma franquia ou de uma empresa independente, podendo colocá-la em vantagem no cenário externo.
O que está por trás do sucesso da Maria Pitanga no mercado internacional
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Planejamento e divulgação foram fundamentais
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O Centro Internacional de Negócios (CIN) da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) participou do processo de internacionalização da Maria Pitanga. Karina Frota, gerente do CIN, lembra que a empresa em questão “sempre se mostrou ousada e resiliente”.
“Eles participaram de várias ações e projetos voltados para essa internacionalização e já estiveram na Fiec em diversas oportunidades, apresentando o caso da Maria Pitanga.”
No caso do açaí e de outros produtos que não são comuns fora do Brasil, Karina Frota destaca a importância de feiras e projetos que busquem apresentar e divulgar o produto internacionalmente.
“Principalmente quando falamos de alimentação e bebidas, é indispensável a ação de promoção comercial, como uma feira, uma missão, um encontro de negócios, para apresentar o produto ao potencial público-alvo.”
O processo de internacionalização de um negócio, segundo ela, requer um trabalho intenso, que começa na análise do produto e sua nomenclatura, e passa pelo histórico daquele produto em relação ao comércio exterior, principais mercados de destino, preço médio, custo logístico e outros fatores.
“Essas informações são importantes porque, para nós e para a empresa, não é interessante que o produto cruze uma fronteira e não tenha um preço competitivo no exterior”, afirma Karina.
Segundo ela, principalmente empresas de micro e pequeno porte buscam o apoio da Fiec no processo de internacionalização. “Só para termos uma ideia, o nosso último projeto, em parceria com a ApexBrasil, teve 100 vagas, e todas foram preenchidas muito rapidamente.
Depois, houve uma lista de espera com 20 empresas, e foram criadas 20 vagas adicionais”, detalha Karina.
Como seguir o exemplo e dar o primeiro passo para internacionalizar
Karen Sitta, analista de mercado do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) aponta que uma franquia deve atender a alguns requisitos antes de desbravar mercados externos.
“O empreendedor deve conhecer as regras daquele País. Aqui no Brasil, temos a Lei do Franchising, mas nem todos os países possuem uma legislação específica, então ele deve buscar quais são as leis que regulam uma franquia em outros países, as regras comerciais”, enfatiza Karen.
Para além da parte legislatória e de regulamentação, é fundamental conhecer a cultura do país em questão. “Se é uma franquia de alimentação, é importante entender, por exemplo, os costumes daquele local onde ele quer investir”, completa.
A Calçados Bibi, nascida no Rio Grande do Sul, possui mais de 150 lojas, sendo 22 no exterior. Para a presidente, Andrea Kohlrausch, encontrar o parceiro certo também é um desafio. “No nosso caso, o desafio é encontrar os parceiros certos, com fit cultural e paixão pela nossa marca e propósito para o desenvolvimento da marca em cada país”, diz.
“Os benefícios da internacionalização do negócio são: aprendizados com mercados mais experientes, que trazem mais competência e competitividade para o negócio; expansão e diversificação de mercados; benefícios tributários ao exportar; e melhoria no posicionamento da marca”, afirma Andrea.
Investimentos certos superam os desafios da internacionalização de franquias
Gustavo Freitas, diretor internacional da Associação Brasileira de Franchising (ABF), corrobora os desafios culturais e regulatórios, acrescenta as barreiras tributárias e pontua que, nesse tipo de processo, é necessário investimento mais robusto em marketing.
Apesar disso, ele afirma que “o mercado global oferece oportunidades significativas para marcas bem preparadas”.
“A logística internacional e a construção da marca em novos mercados exigem planejamento estratégico. Além disso, o desconhecimento inicial da marca no exterior demanda investimentos em marketing. Com apoio institucional e parcerias locais, esses obstáculos podem ser superados”, reforça Freitas.
Em parceria, Agência Brasileira de Promoção à Exportação (Apex Brasil) e a ABF, por meio do projeto Franchising Brasil, buscam apoiar as empresas em suas estratégias de internacionalização.
De acordo com a ABF, em 2023 (dados mais recentes), há 213 marcas atuando fora do Brasil, com 2.175 operações de franquias no cenário internacional (unidades próprias, franqueadas, máster franchising, desenvolvedor de área, exportação e joint ventures).
*A repórter entrevistou o personagem durante a ABF Franchising Expo, em São Paulo, e viajou a convite da Associação Brasileira de Franchising