A comissão mista que analisa a Medida Provisória (MP) que estabelece novas regras para o setor elétrico adiou a votação do relatório apresentado pelo relator, senador e ex-ministro de Minas e Energia Eduardo Braga (MDB-AM). O parecer em discussão, entre outros pontos, retoma a previsão de contratação de usinas termelétricas a gás natural mesmo em locais sem o insumo, medida que havia sido incluída originalmente na lei de privatização da Eletrobras, e prevê benefícios a empreendimentos a carvão.
Inicialmente, a votação do texto estava prevista para esta quarta-feira (29), mas parlamentares aproveitaram a sessão do colegiado para discutir as medidas previstas no parecer. A expectativa é que o texto, que ainda pode ser alterado, seja analisado pelo colegiado nesta quinta-feira (30) e, em seguida, encaminhado aos plenários da Câmara e do Senado. A MP perde validade em 7 de novembro.
A MP foi editada pelo governo federal em julho, na esteira da repercussão da derrubada dos vetos presidenciais ao marco legal das eólicas offshore. À época, associações do setor elétrico sinalizaram que a decisão do Congresso tinha grande potencial de encarecer a conta de luz. No texto original da MP, o governo derrubou a obrigação da contratação de usinas térmicas movidas a gás natural, que originalmente foram incluídas por meio de um “jabuti” (trechos que fogem do teor original da matéria) durante a discussão da lei que permitiu a privatização da Eletrobras no Congresso Nacional.
O texto que abriu espaço para a privatização da Eletrobras, sancionado em 2021, estabelecia a contratação de 8 gigawatts (GW), mesmo em localidades onde não há o insumo nem mesmo a infraestrutura para escoamento, o que não se concretizou. A contratação nunca foi efetivada por falta de viabilidade.
O relatório de Braga, por sua vez, resgata a obrigatoriedade de leilões para contratação desses empreendimentos, mas em um montante menor: 4,25 GW. Ainda, determina que a contratação deve ter inflexibilidade mínima de 50%, por um período de 20 anos. Antes mesmo de apresentar o relatório, Braga sinalizou que o texto poderia contemplar esses empreendimentos. Ele afirmou a jornalistas que era necessário que isso fosse cumprido, uma vez que o Congresso não teria aprovado a privatização sem a medida.
A inflexibilidade é o percentual mínimo da geração de uma usina que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) não pode despachar abaixo, por questões contratuais ou técnicas. Ou seja, quando uma térmica é contratada como inflexível, ela não pode ser desligada em determinados momentos, produzindo mesmo quando outras fontes, mais baratas e menos poluentes, poderiam estar suprindo a demanda do sistema.
Relator resgata uso do Fundo Social e contempla térmicas a carvão
Além de prever essas contratações, o relator resgatou outra ideia que ronda o Congresso Nacional há alguns anos: o uso de recursos do Fundo Social para financiar a infraestrutura de gás natural no Brasil. A proposta permite utilizar o superávit financeiro do Fundo como fonte de recursos para linhas de financiamento voltadas a investimentos no segmento. O relatório também traz mecanismos para tratar da redução da reinjeção de gás natural, além da revisão do preço de referência do petróleo usado para cálculo de royalties.
Outro segmento contemplado pelo parecer foi o de usinas térmicas movidas a carvão. O texto estabelece que os empreendimentos desse tipo com contratos de comercialização vigentes em dezembro de 2022 e com previsão de térmicas não superior a dezembro de 2028 terão sua contratação prorrogada até dezembro de 2040. A medida, apontam fontes, pode beneficiar empreendimentos como a usina de Candiota, no Rio Grande do Sul, que pertence à Âmbar Energia, do grupo J&F, dos irmãos Batista.
 Assim como era esperado, o relatório é mais amplo do que o enviado pelo governo ao Congresso. Nas últimas semanas, a MP já vinha sendo tratada como um possível instrumento para uma reforma mais ampla no setor elétrico. Isso porque uma MP encaminhada anteriormente ao Congresso, que tinha esse intuito, acabou aprovada de forma enxuta pelos parlamentares, por falta de tempo hábil para a discussão de temas considerados mais complexos.
 
Dessa forma, a matéria mantém a previsão da criação de um teto para o orçamento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo setorial custeado por todos os consumidores que banca políticas públicas e subsídios para diversos segmentos, como a micro e minigeração distribuída (MMGD) e fontes incentivadas. Diferentemente da proposta do governo, que atrelava o limite ao orçamento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) de 2026, ainda indefinido, Braga optou por vinculá-lo ao orçamento deste ano, que chegou quase a R$ 50 bilhões.
Pelo relatório, a partir do orçamento da CDE de 2027, o valor total dos recursos arrecadados será limitado à soma dos valores necessários para suportar os custos dos programas sociais e políticas públicas, que não estarão sujeitos ao teto, e dos valores de cada uma das demais despesas previstas na CDE pelos valores definidos em 2025, atualizados pela inflação. O parecer também mantém a proposta do encargo de complemento de recursos para a CDE, que será destinado a cobrir a diferença entre o valor orçado e o limite para o respectivo item de despesa.
Braga já havia sinalizado que, no longo prazo, algumas medidas podem levar à redução dos subsídios da CDE. É o caso da interligação de Roraima com o sistema elétrico nacional, pelo linhão de Tucuruí, que pode reduzir os custos da Conta Consumo de Combustíveis (CCC), cujos recursos são destinados para a compra de combustíveis para sistemas isolados. Também citou o repasse de 100% das receitas de outorgas de concessão de usinas hidrelétricas, que pode gerar R$ 15 bilhões em sete anos.
Outra proposta que havia sido encaminhada pelo governo neste ano ao Congresso e está prevista no parecer é referente à abertura do mercado livre de energia elétrica a todos os consumidores do país, permitindo que todos possam escolher de quem comprarão energia elétrica. Hoje, esse tipo de negociação está limitado a grandes empresas e consumidores, como as indústrias.
O relator, por sua vez, propôs um calendário mais extenso do que o encaminhado pelo governo. O parecer prevê a abertura total para consumidores industriais e comerciais em até 24 meses da entrada em vigor da lei e, em até 36 meses, para os demais consumidores, como os residenciais. Também estabelece outras medidas, como a regulação para suprimento de última instância, que serão necessárias para permitir a abertura do mercado livre.
Outros temas que também estavam no radar acabaram ganhando espaço no texto. É o caso, por exemplo, dos cortes de geração. Braga propôs um mecanismo para o ressarcimento às geradoras por alguns tipos de desligamentos, como por indisponibilidade externa, quando não há infraestrutura para escoar a energia elétrica, e por razão de atendimento a requisitos de confiabilidade elétrica da operação. Cortes por razões energéticas, ou seja, por falta de demanda do sistema, não serão contemplados. O relator afirmou considerar que isso é um risco do empreendedor.
Em relação ao segmento de geração distribuída, majoritariamente formado por painéis solares instalados em telhados no Brasil, o relator explicou que todos os direitos garantidos pelo marco legal da GD estão preservados e, por meio de um complemento de voto apresentado nesta quarta-feira, fez um ajuste no trecho que tratava sobre o segmento em seu parecer. O tema foi um dos mais levantados pelos parlamentares durante a reunião.
No parecer inicial, as solicitações de acesso e de aumento de potência das unidades consumidoras realizadas após a publicação da lei estariam sujeitas, até dezembro de 2028, à cobrança de R$ 20 a cada 100 quilowatt-hora (kWh) de energia elétrica ativa compensada, valor que seria atualizado pela inflação. Na nova redação, apresentada na complementação do voto desta quarta-feira (29), o relator isentou a microgeração com autoconsumo local, ou seja, aquela com até 75 kW consumidos localmente, dessa cobrança.
Os agentes do segmento pleiteavam a exclusão do termo “autoconsumo local”, para que a isenção fosse mais ampla. No entanto, avaliaram que a alteração no parecer, como proposta, atende parcialmente aos pedidos do setor e ajuda a mitigar os efeitos da medida para a geração distribuída.
O complemento de voto também fez uma alteração no trecho que trata da desoneração dos sistemas de armazenamento por baterias, incluindo esses sistemas no Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi).
Além disso, excluiu o dispositivo que envolvia o cálculo da taxa de retorno de investimentos das distribuidoras das áreas da Sudam e Sudene. Braga explicou que a decisão foi tomada após repercussão no mercado de que a medida poderia retirar benefícios fiscais das regiões Norte e Nordeste. No entanto, disse que apresentará projeto de lei sobre o tema, para “retornar ao brasileiro o benefício fiscal”.
 “O relatório mantinha o benefício fiscal. No entanto, para o cálculo do denominador da remuneração de capital, estaríamos usando a carga equivalente à carga nacional, para reduzir a tarifa para o consumidor entre 2% e 2,5%”, disse. “Do ponto de vista do consumidor, o correto seria fazer como proposto no relatório, mas entendendo que não tivemos tempo de fazer um amplo debate para que essa matéria pudesse ficar esclarecida, não só para os parlamentares das regiões, mas também para os agentes, nós estamos apresentando um projeto autônomo para tratar da remuneração do capital das regiões da Sudam e da Sudene, e retirando do texto da MP.”
29/10/2025 15:24:17 
 
				 
		 
								 
								 
								 
								 
								