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Cadê a Torre Que Devia Estar Aqui?

Meus diletos, confesso que há dias em que me sinto um estrangeiro na minha própria pátria. Suspeito que o mundo recebeu uma nova edição do manual de instruções da lógica e a minha, coitada, deve ter sido extraviada pelos Correios. A sensação é a de ser o único sóbrio numa festa onde todos decidiram, em conluio, que andar de costas é a nova forma de progresso.
Vejam esta joia, recém-anunciada. Lá nas terras do Mato Grosso do Sul, confirmou-se um investimento de R$ 5,12 bilhões para erguer três megausinas solares. Uma notícia alvissareira, um brinde ao futuro, um passo firme rumo à energia limpa, que vai aumentar em 45% a potência energética do estado. Aplausos.
É aqui que o meu cérebro, apegado a velharias como causa e consequência, começa a dar curto-circuito. Pois, enquanto planejamos erguer novos templos ao deus-sol, o Operador Nacional do Sistema (ONS), no alto de sua sapiência transcendental, está ocupadíssimo mandando a energia solar e eólica já existente para o beleléu.
Sim, é isso mesmo. Estamos jogando energia limpa no lixo. De janeiro a agosto, o ONS simplesmente “cortou” 18,5% de toda a energia gerada no país. Uma bobagem de 4,3 mil GWh que deixaram de existir. É um desperdício apenas 230% maior que no ano passado. Uma quantia irrisória, suficiente apenas para abastecer um estado inteiro como o Paraná por doze meses. Um detalhe.
Agora, vêm as explicações, que são a melhor parte da comédia.
Diz uma corrente de iluminados que o Brasil produziu mais energia que a demanda. Ah, que alívio! Felizmente, vivemos num país de estabilidade climática impecável, onde crises hídricas por falta de chuva são apenas lendas de um passado distante. Podemos dormir tranquilos, sabendo que nossas hidrelétricas jorrarão para sempre. E se, por um acaso do destino, uma seca medonha resolver aparecer, já temos a solução genial: ligamos as nossas limpíssimas e baratíssimas usinas termelétricas. Como não pensei nisso antes?
Outra fonte, mais chegada à realidade, cochicha que o problema é outro: não há rede de distribuição para escoar a energia. A rede não suporta o excedente. É como construir uma panificadora de primeira linha, mas esquecer de comprar o forno. É o progresso pela metade, a inauguração da piscina sem a água. Mas que conexão teria a falta de fios com a energia não chegar? Deve ser coisa da minha cabeça.
E é aí que, na minha insignificância, ouso ter ideias de jerico. Penso em coisas estapafúrdias como regulamentar e investir em sistemas de mega baterias para armazenar a energia que sobra. Ou, num devaneio ainda mais tresloucado, aumentar a malha de linhas de transmissão! E, no auge da minha demência, chego a cogitar a instalação de grandes consumidores de energia, como datacenters, perto dos centros geradores!
Realmente, tenho que parar com esses pensamentos absurdos.
Enquanto isso, sigamos o plano genial. Vamos continuar investindo bilhões em novas usinas para gerar uma energia que não teremos como transportar, que seremos obrigados a descartar e pela qual teremos que indenizar os produtores. E, claro, taxar o sol do cidadão comum, pois a culpa, no fim, é sempre dele.
Continuemos a retroceder, mas com a retórica do avanço. Vai ver, a grande ideia sempre foi essa. E eu, com a minha cartilha velha, tentando entender.

O post Cadê a Torre Que Devia Estar Aqui? apareceu primeiro em O Estado CE.



Estado do Ceará

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