
Não há alegria em ter razão quando o prognóstico é terminal. O sentimento que emerge da COP-30 não é o de um “eu avisei” triunfante, mas o de um médico que confirma, pela enésima vez, o diagnóstico de uma doença autoimune, onde o corpo do mundo ataca a si mesmo, enquanto a junta de especialistas discute primorosamente a cor da mobília do hospital.
A cada ano, o ritual se repete com a precisão de uma liturgia. De Kyoto a Paris, de Glasgow a Sharm el-Sheikh, a procissão de líderes, delegados e lobistas se reúne. Os discursos são inflamados, as metas são reafirmadas e os documentos finais, após noites de negociação, são paridos com a promessa de que, desta vez, será diferente. Não foi.
Vamos à autópsia dos resultados, com o distanciamento clínico que o absurdo exige:
Finanças Climáticas: A contabilidade da catástrofe segue impecável. Discute-se o fluxo de bilhões com a seriedade de quem equilibra um orçamento, ignorando o fato de que, há décadas, investimos no tratamento, enquanto a febre do paciente planetário só aumenta. O dinheiro não tem sido a cura; tem sido o sedativo que nos permite ignorar a progressão da doença.
Adaptação Climática: Eis a oficialização da desistência, travestida de política pública. Financiar a “adaptação” é o equivalente a destinar verbas para a fabricação de guarda-chuvas mais resistentes em meio a um dilúvio, em vez de tentar fechar as comportas do céu. É a arte de aprender a conviver com o tumor em vez de extirpá-lo. Um triunfo da gestão sobre a medicina.
Mitigação e Ambição para 1.5°C: Aqui, a semântica revela a tragédia. O que era uma meta de sobrevivência inegociável em Paris foi rebaixado, no vernáculo diplomático, a uma “ambição”. É como ter a “ambição” de respirar. Relegou-se a própria condição de existência ao campo do desejo, e não ao da necessidade.
O Escárnio da Não Discriminação: E, por fim, a pérola, o atestado final da captura do discurso. O acordo reafirma que as medidas climáticas “não devem ser discriminatórias” no comércio. A tradução é simples e brutal: os que sistematicamente causam o incêndio não podem sofrer sanções comerciais por… comprar gasolina e palitos de fósforo. A lógica do mercado, mais uma vez, prevalece sobre as leis da física.
E o elefante na sala? Os combustíveis fósseis? O nome do veneno, a causa primária da enfermidade, não recebeu um roteiro formal para sua eliminação. Após toda a oratória, toda a retórica e todos os “fundos”, a fonte da infecção foi delicadamente deixada de fora do receituário. As grandes corporações, os verdadeiros donos do espetáculo, sequer precisaram levantar a voz. Seu silêncio foi a ordem mais alta.
O resultado, portanto, foi o esperado. Não há surpresa, apenas a confirmação exaustiva de que estas cúpulas se tornaram um exercício de contabilidade, não de ecologia. A discussão é sempre sobre finanças, fundos, comércio e compensações. É a negociação dos termos da nossa rendição.
Poderiam, com mais honestidade e economia, ter pego o texto da última COP, fotocopiado e apenas mudado a data e a cidade. Seria o único gesto verdadeiramente sustentável do evento.
Preparem-se, portanto. Não como pessimistas, mas como leitores atentos de um diagnóstico que já foi assinado e carimbado por todos. Os desastres vindouros não serão acidentes. Serão a consequência lógica de uma escolha.