
Nesta semana, a cidade amanheceu sob uma névoa que não era climática, mas existencial. Assistimos nos telejornais e lemos, com um nó na garganta, que o flagelo — aquela sombra que costumávamos julgar distante, habitante de outras geografias ou de realidades sociais apartadas — transpôs os muros altos. O impensável adentrou os corredores de uma escola de alto padrão de nossa capital, provando que a dor e o desvio não pedem licença, nem checam a mensalidade na portaria. O mal, ou talvez o desespero, tem essa terrível capacidade democrática de permear qualquer barreira.
Fala-se de um jovem. E aqui, piso com a delicadeza de quem caminha sobre folhas secas. Segundo os relatos que ecoam — murmúrios digitais e conversas de bastidores —, trata-se de um menino atormentado por uma rotina que lhe escapava às mãos, impressionado, talvez, pelo eco de outra tragédia recente no CEFET do Rio de Janeiro. Diz-se que, somado à pressão de uma recuperação escolar e influenciado pela vertigem dos jogos eletrônicos e labirintos digitais, ele viu-se em um beco sem saída. Ali, onde a razão falha, o ato extremado germinou. Por um fio, por um sopro divino ou acaso do destino, a vida de duas ou mais pessoas não foi ceifada.
O cenário foi um banheiro, lugar prosaico, transformado subitamente em palco de horror. O jovem, munido de um objeto cortante, aguardou. O desfecho, todos soubemos com pesar: um aluno ferido, golpes que atingiram costas, braços e, dolorosamente, a face. Um professor e uma coordenadora, escudos humanos naquele instante de loucura, também marcados pelo metal frio. Ao aluno ferido, resta agora a cirurgia do corpo e a, certamente mais árdua, cicatrização da alma.
Mas, meus prezados leitores, é preciso que paremos. Respiremos. E, com a sobriedade que o momento exige, naveguemos por oceanos que venho tentando cartografar nesta coluna há meses.
Olhemos para a nossa juventude. Toda ela. Há uma geração que carrega, silenciosa, as sequelas de um isolamento sem precedentes em mais de um século. A pandemia nos trancou em casa, mas trancou nossos jovens dentro de si mesmos. Somemos a isso a questão dos jogos violentos e da vida em telas. Reconheço, e jamais negaria, que a tecnologia aprimora a cognição e a agilidade do pensamento. Contudo, há um custo: o desenvolvimento técnico por vezes atropela o “sentir”. Corre-se o risco de banalizar o sagrado, de tratar a vida humana como um pixel que se apaga e reacende. Mas a vida, sabemos, não tem reset.
Agregue-se a esse caldeirão a incapacidade, cada vez mais notória, de lidar com o conflito. Como já conversei com vocês em outubro passado, temos jovens com uma dificuldade excruciante de conjugar o verbo “frustrar-se”. A falta de ferramentas emocionais para o diálogo e para o enfrentamento das pequenas derrotas diárias os empurra para o isolamento, para a ansiedade, para um abismo psíquico onde o “outro” deixa de ser um semelhante e passa a ser um alvo ou um obstáculo.
E aqui, chego a um ponto nevrálgico: a Escola e a Família.
Não sou um saudosista cego, avesso ao moderno. Mas acredito, com a força de quem vê o perigo, que avançamos na tecnologia esquecendo pilares ancestrais. A escola tem o dever sagrado da Formação Acadêmica. Ela deve, sim, auxiliar na cidadania. Mas a educação — aquela que se escreve com “E” maiúsculo, a educação do caráter, da empatia, do limite — essa vem de casa. Não das fotos posadas de “família feliz” nas redes sociais, mas do trabalho árduo, suado e diário de dizer “não”, de dar o exemplo, de mostrar o caminho da retidão.
As instituições de ensino não podem se converter apenas em máquinas de aprovação em vestibular, tratando alunos como latas vazias a serem preenchidas com fórmulas, sem a devida análise crítica se aquilo lhes servirá para a vida. O aluno precisa aprender a pensar, a sentir e a evoluir, e não apenas a decorar para virar estatística de sucesso em outdoor.
Sobre esse delicado equilíbrio, recordo-me de ter elogiado aqui, em outra ocasião, a postura do Colégio Nova Dimensão. A escolha de instituições que, como aquela frequentada por meu caçula, entendem que ensino, cidadania e futuro são indissociáveis, nunca foi tão vital. É preciso buscar escolas que enxerguem o aluno, não apenas o número da matrícula.
Que o episódio desta semana não sirva apenas para o medo, mas para o despertar. Que possamos, pais e mestres, olhar nos olhos de nossos jovens e resgatá-los desse exílio emocional, antes que a próxima ferida seja aberta. Viver é perigoso, já nos dizia o mestre Rosa, mas é na coragem do afeto e da educação real que encontraremos a cura.