Drýs Capital é um nome pouco familiar aos investidores de varejo. Criada no ano passado, a marca é símbolo da mudança de uma tradicional gestora, a Equitas. No auge, ela chegou a gerir R$ 8 bilhões e a ter mais de 100 mil cotistas, figurando entre as principais assets independentes de ações do País.
Agora, com cerca de R$ 800 milhões, metade em ações e metade em crédito privado, a gestora de Luis Felipe Amaral está em fase de reestruturação para tentar voltar aos bons tempos. E a reviravolta passa por fora do mercado tradicional de fundos. As novas empreitadas incluem a fundação de uma empresa de biometano, a Renu Energia, e o desenvolvimento de produtos ligados à inteligência artificial.
“Antes, falava-se que uma gestora tinha que ser monoproduto para ser especialista em seu próprio mercado. Hoje, é preciso ser multiproduto para alcançar equilíbrio de receita. Também conseguimos aproveitar as sinergias entre as equipes de ações e crédito”, diz Luis Felipe Amaral, CEO da Drýs Capital, em entrevista ao NeoFeed.
A drenagem dos fundos da Equitas teve início pouco antes da pandemia, puxada por uma sequência de maus resultados. O Equitas Selection, principal produto da casa, por muito tempo foi reconhecido por garimpar oportunidades fora do radar. “Classificava a estratégia como de valor/small caps. Foram muito bem entre 2017 e 2019”, disse um alocador que já recomendou os fundos da gestora.
Entre 2010 e 2019, acumulou uma valorização de 672%, superando o Ibovespa em 585 pontos percentuais. Nos anos seguintes, no entanto, venceu o benchmark apenas em 2023. O erro apontado pelo mercado foi crescer demais. “Passaram a ter que investir em ações mais líquidas, que é outro jogo. É uma equipe muito competente, mas ali perderam o que sabiam fazer melhor. Erraram o cálculo de quanto podiam crescer”, disse esse alocador.
Com os efeitos da migração dos investidores para a renda fixa — combinados ao desgaste pelo desempenho —, o patrimônio da gestora nas estratégias de ações encolheu para R$ 400 milhões.
“Foi uma sangria imensa causada por uma performance deficiente nos últimos anos”, disse um pesquisador de fundos. Segundo outro alocador, a alta exposição que a gestora tinha entre investidores de varejo amplificou esse movimento. “São alocações muito mais voláteis.”
Gás no negócio
Há quem decida abrir uma gestora depois de anos gerindo fundos de terceiros, na aposta de que a experiência sirva como diferencial. “Mas esse não foi o meu caso”, diz Amaral. “Montei uma gestora porque queria ter um negócio. Estamos perdendo o jogo e decidimos ir para o ataque.”
A mudança de nome, oficializada em 2024, tem uma razão: Drýs vem do grego e significa “carvalho”, símbolo de resiliência e longevidade. Neste momento, com a frente de crédito já estruturada e servindo de colchão para o negócio, Amaral decidiu acelerar.
O plano mais ousado é o desenvolvimento da Renu Energia, uma empresa de geração de biometano a partir de resíduos. A ideia, conta o CEO da Drýs, foi inspirada na Orizon, investida pela gestora desde sua chegada à bolsa, em 2021. Um dos poucos cases de sucesso da última janela de IPO, a companhia acumula valorização de 140% na B3 com gestão de resíduos.
“Estudamos muito o setor e percebemos uma oportunidade enorme de investimento nos próximos anos, que é a produção de biometano no interior do País. Então, decidimos ir para cima e montar a Renu Energia.”
A tese, explica, é transformar resíduos orgânicos — de abatedouros, granjas, indústrias alimentícias e até cidades — em biometano. Trata-se de um mercado pulverizado, em que muitos operadores de compostagem já possuem contratos de recebimento de matéria orgânica, mas não têm capital nem know-how técnico para implantar sistemas de biodigestão e purificação de gás.
O primeiro projeto da Renu Energia está em Jacarezinho, no interior do Paraná, onde a planta já está em operação, produzindo biogás. Por enquanto, o gás é queimado localmente — uma prática comum nesse tipo de operação para evitar a emissão de metano na atmosfera enquanto não há uma solução comercial pronta.
O próximo passo é destravar a etapa de distribuição. A companhia negocia com indústrias da região, que poderiam consumir o biometano diretamente, e, ao mesmo tempo, avalia a possibilidade de escoamento por meio de canais tradicionais, com transporte em caminhões — modelo comum nas regiões fora da malha de gasodutos.
O investimento previsto para levar a planta de Jacarezinho à sua capacidade plena é de cerca de R$ 40 milhões, sendo que boa parte desse valor vem sendo aportada com capital próprio dos sócios da Drýs Capital.
A operação da Renu Energia foi estruturada fora da gestora, embora reúna basicamente os mesmos sócios da Drýs Capital. Para tocar o dia a dia, eles trouxeram como CEO Marco Zolet, executivo com passagem pela Estre e ex-fundador da startup Supermercado Now, vendida para a B2W.
Paulo Eduardo Lopes, sócio da Drýs com mais de 20 anos de casa, é quem acompanha a operação mais de perto, especialmente nessa fase de implantação. Já Luiz Felipe Amaral, embora envolvido como sócio, atua em uma posição mais distante, no conselho, ajudando na estratégia e na articulação de parcerias.
A Renu já trabalha em um pipeline de cerca de 20 projetos semelhantes espalhados pelo País, com foco em operações de compostagem e geração de resíduos no interior.
O investimento total estimado para tirar todos esses projetos do papel é de aproximadamente R$ 750 milhões em capex — quase todo o volume que a Drýs tem hoje sob gestão. Para viabilizar esse plano, a empresa busca estruturar operações no modelo de project finance, ancoradas em contratos de longo prazo para venda do biometano.
Além de capital próprio, que vem sendo usado nas fases iniciais, a estratégia inclui tanto dívida quanto aportes de equity, com conversas já em andamento com investidores brasileiros e estrangeiros interessados na tese de transição energética e economia circular.
Inteligência artificial
A diversificação dos negócios, porém, não se limita à produção de biometano. Paralelamente, a Drýs também aposta em uma segunda frente fora da gestão tradicional: o desenvolvimento de softwares de inteligência artificial aplicados ao mercado financeiro.
A Drýs trabalha para lançar, em breve, dois softwares voltados a facilitar a análise de ativos por assessores financeiros. O mais próximo de chegar ao mercado é o Credit Guide, uma plataforma focada no mercado de crédito privado, com dados e análises para auxiliar na tomada de decisão na compra de debêntures.
Uma versão beta já está disponível gratuitamente, enquanto a versão completa, que inclui funcionalidades adicionais, está em fase final de desenvolvimento e será comercializada por meio de assinatura.
Sérgio Omatti, sócio e analista sênior da Drýs, foi quem fez o projeto praticamente do zero. “Nunca fui desenvolvedor. Mas, se você se focar e for atrás, dá pra fazer muita coisa com o auxílio da IA”, diz Omatti.
Embora pareça simples, o resultado é fruto das iniciativas da Drýs em fomentar o uso de inteligência artificial dentro da equipe desde 2022. Na tentativa de utilizar a ferramenta como diferencial no mercado, a gestora chegou a pagar um curso de Python e inteligência artificial para oito funcionários em Stanford.
“Se as pessoas começarem a usar, em larga escala, já o que está disponível, o que a gente está usando, vai ter uma cara diferente essa indústria”, diz Amaral. Com maior conhecimento sobre a tecnologia, a equipe de gestão passou a automatizar muitos dos processos que eram realizados, especialmente, por analistas juniores.
“O trabalho de análise básica, de número, de números de mercado, que um analista de quatro, cinco anos faz, a gente substitui completamente por sistema. Não tenho mais gente júnior trabalhando em equities e crédito. Eu só tenho gente com muita experiência”, afirma Amaral.
Na Drýs, todo o processo de análise inicial de ações já é feito por meio de IA. O programa também foi desenvolvido dentro de casa e apresenta, em questão de segundos, informações precisas sobre empresas de capital aberto. Além de todo o histórico financeiro, o relatório inclui vantagens competitivas, desvantagens, informações sobre os diretores e até um debate entre IAs que simula a discussão da tese de investimento dentro de uma gestora. “Eventualmente, surgem pontos que não tínhamos considerado.”
Embora já tenha uma versão de uso interno, o objetivo da Drýs é torná-lo um produto comercial. A proposta, inicialmente, é vendê-lo para consultores financeiros dos Estados Unidos. Além de ser um mercado com mais ações a serem analisadas, Amaral entende que há um melhor fit com o perfil dos agentes americanos.
“O assessor lá fora não está pensando em vender produto, tá pensando em montar portfólio, fazer uma análise, entender risco, entender retorno, entender preço, entender fundamento.” O CEO da Drýs, no entanto, prevê um aumento dessa demanda também no Brasil, com a migração de assessorias do modelo de comissão para aquele baseado no patrimônio total do cliente.
“Aqui no Brasil, esse negócio está começando agora, com essa história do fee-based, que alinha o interesse do assessor com o do cliente. A hora que isso pegar aqui, acho que vai ser um baita empurrão pra esse tipo de produto nosso.”
Apesar da diversificação do negócio e da perda de protagonismo da área de ações dentro da Drýs, Amaral não deixou de olhar para o mercado que o consolidou como gestor. Ao contrário.
Ele acredita que a bolsa brasileira caminha para um ponto de inflexão, depois de anos de juros elevados e de saída de investidores locais. “A configuração começa a se alinhar para um daqueles momentos em que tudo muda. E, quando muda, muda muito”, diz.
Com valuations “na lama”, Amaral vislumbra um início de ciclo de corte de juros e uma potencial alternância de governo em 2026. “Acima de qualquer questão ideológica, é preciso fazer a coisa básica e óbvia que esse governo se recusa a fazer, que é cortar gastos.”
Na avaliação do gestor, uma melhora de ambiente pela percepção fiscal pode contribuir com taxas de juros e inflação estruturalmente mais baixas, o que poderia impulsionar a bolsa e aumentar a captação da renda variável.
“O negócio de equities ficou encolhido, mas estamos olhando pra frente. Estou super otimista com isso e com as outras coisas que a gente está fazendo.”