Tóquio*. Nas veias pulsantes de gente em Tóquio, em bairros comerciais com alto fluxo de turistas e moradores locais, chamam atenção algumas experiências de consumo que soam exóticas para os brasileiros. Um exemplo inusitado e cada vez mais popular são os chamados “animal cafés”.
Nesses estabelecimentos, os clientes pagam mais de 3 mil ienes, algo em torno de R$ 130, para interagir e acariciar por 30 minutos com bichos como filhotes de porco, lontras, corujas e até ouriços.
O contato é cuidadosamente controlado por regras de higiene, tempo e comportamento – e, frise-se, os japoneses são imbatíveis em organização e disciplina.
Visivelmente, esses negócios não se limitam ao entretenimento; na verdade, exploram uma demanda real por companhia — mesmo que passageira — em um país que vive uma transição demográfica acelerada e onde a solidão se tornou um componente estrutural da vida urbana.
A economia da solidão no Japão se apoia em um conjunto de serviços que respondem a crescentes demandas afetivas, muitas vezes não atendidas por vínculos tradicionais como família ou amizades.
Aluguel de amigos
Outro exemplo comum são os “lounges” e clubes de host e hostess, onde homens e mulheres pagam para conversar com profissionais treinados em atenção, escuta ativa e empatia, sem conotação sexual ou contato físico. É uma espécie de terapia, com pagamento por hora.
Em alguns desses espaços, os clientes são regulares e desenvolvem uma espécie de vínculo emocional unilateral, que se renova a cada nova visita. O serviço ofertado atenua um alívio imediato de um tipo específico de sofrimento: a ausência de companhia.
Esse fenômeno também se manifesta na popularização de empresas que alugam “amigos” ou acompanhantes para ocasiões específicas. Um dos casos mais conhecidos é o do japonês Shoji Morimoto, que cobra cerca de US$ 100 por encontro para simplesmente “estar presente” — sem conversar demais ou interagir muito, apenas para que o cliente não esteja sozinho em um momento simbólico, como um almoço ou uma visita ao médico. Esse tipo de serviço virou um nicho de mercado com ampla clientela, especialmente entre jovens adultos e idosos.
Produtos de sex shop por toda parte
Essa indústria do afeto também aparece no consumo de produtos relacionados à sexualidade. O Japão está entre os maiores mercados de sex shops do mundo, com um setor avaliado em quase US$ 1 bilhão, segundo dados da Grand View Research. A marca Tenga, por exemplo, se especializou em produtos descartáveis voltados ao público masculino e já ultrapassou 2,7 milhões de unidades vendidas em 2024 de apenas um modelo, o Tenga Egg.
Curiosamente, no Japão, não há tabu em relação ao uso desses produtos, tanto é que eles podem ser encontrados facilmente em farmácias, lojas de conveniência e máquinas automáticas.
Esse tipo de economia é reflexo direto de uma estrutura social marcada por três elementos centrais: envelhecimento populacional, urbanização intensa e retração dos laços comunitários.
Solidão na morte
Segundo estimativas da polícia japonesa, cerca de 70 mil pessoas morrem sozinhas no Japão anualmente, estatística que vem crescendo e estimulando uma cadeia paralela de serviços, incluindo empresas especializadas em limpar residências onde corpos são encontrados dias e até semanas depois.
E no Brasil? A moda pegaria?
É fácil inferir que esse cenário possui poucas equivalências com o Brasil. Embora a solidão também cresça por aqui, os mecanismos de enfrentamento são diferentes.
Aqui, a família ainda exerce um papel central nas relações afetivas e de cuidado, inclusive em situações de envelhecimento ou doença. A urbanização brasileira, embora acelerada, ainda convive com formas de sociabilidade que passam pela informalidade, pelas comunidades de vizinhança e pelo contato direto, mesmo nas grandes cidades. Além disso, serviços pagos por companhia social não possuem demanda estruturada nem são amplamente aceitos socialmente.
Mas será que um café com porquinhos e ouriços pegaria? Fica a dica de negócio. Consulte as autoridades sanitárias antes. Não me responsabilizo pelo resultado.
*O jornalista viajou a convite da Amazon para o evento Delivering The Future