Desde que a farmacêutica de biomedicamentos brasileira Biomm passou a ser listada na bolsa, em 2014, a companhia vem operando no prejuízo. Em 2024, o resultado negativo foi de R$ 77,2 milhões, uma pequena melhora em comparação a 2023, quando perdeu R$ 81,1 milhões. O auge foi em 2022, quando o balanço fechou no vermelho em R$ 92,5 milhões.
Mas depois de 10 anos no vermelho, o CEO da companhia, Heraldo Marchezini, acredita que o momento da virada está chegando. A aposta do executivo para gerar caixa está em patentes expiradas nos próximos dois anos (como a da semaglutida, em julho de 2026, para produção do Ozempic genérico) e de contratos públicos para fabricar insulina glargina (análoga à humana) destinada a pacientes de diabetes tipos 1 e 2.
“Esse prejuízo está muito associado aos investimentos feitos na implementação da fábrica e na antecipação de recursos para produção de canetas para insulinas em contratos que ainda não tínhamos recebido”, afirma Marchezini, ao NeoFeed.
A fábrica a que se refere Marchezini foi construída em Nova Lima, em Minas Gerais, e custou R$ 800 milhões. Em abril, a unidade completa um ano de operação, ainda com metade da capacidade produtiva.
Ela deve atingir produção plena ainda em 2025, a partir de contrato celebrado em março deste ano com o Ministério da Saúde para produção de 20 milhões de frascos de insulina por ano para distribuição a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Os valores do contrato não são revelados pela companhia.
Pelo acordo, a tecnologia de produção já desenvolvida pela Biomm será transferida à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), para a produção de insumos produzidos no Brasil, ao contrário do que ocorre hoje, que vem da China. Com isso, o País deve deixar de depender do insumo farmacêutico ativo (IFA) chinês. “Isso deve ocorrer em até cinco anos”, diz Marchezini.
Na avaliação do CEO, esse movimento coloca a Biomm na briga pela liderança do mercado farmacêutico desse segmento. “Isso é uma mudança completa de horizonte para a empresa. Somos a única empresa capaz de competir, na área de diabetes, com Eli Lily e Novo Nordisk.”
No caminho de patentes que vão expirar nos próximos anos, Marchezini destaca, além da semaglutida, a produção de bevacizumabe (medicamento oncológico), que já teve o registro aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Falta agora a etapa de definição de preço para poder chegar ao mercado.
Outro que a empresa aposta é o ranibizumabe, indicado para tratamento de lesões graves na retina. Nesse caso, falta a etapa do valor que poderá ser cobrado nas farmácias. A expectativa é que esses dois produtos já comecem a ser comercializados ainda em 2025.
Segundo o executivo, serão pelo menos cinco novos biomedicamentos nos próximos dois anos produzidos pela Biomm de produtos que ainda contam com a exclusividade de seus fabricantes originais.
“O que a gente está preocupado é em conseguir captar as oportunidades de mercado em biotecnologia, que vai muito além da produção de insulina”, diz Marchezini. “Tem bilhões de reais que estarão em jogo a partir da expiração de patentes, com chance de produção de biossimilares.”
Para André Tanen, sócio e diretor de health da A&M Performance, da Alvarez & Marsal Consultoria, os próximos cinco anos serão de muitas oportunidades para farmacêuticas brasileiras, a partir de patentes expiradas. O desafio, na avaliação dele, será em como ser mais competitivo do que as gigantes multinacionais no País.
“Será um mercado de US$ 5 bilhões a US$ 6 bilhões no Brasil. São produtos relevantes, de tecnologia avançada, e que vai gerar muita receita para as empresas a partir de cópias e genéricos de medicamentos”, diz Tanen. “E ser um dos primeiros a lançar o produto dá uma vantagem competitiva e de posicionamento de marca.”
Somente com o genérico do Ozempic, a Biomm entra em um mercado que movimenta mais de R$ 3 bilhões no Brasil, com o produto ainda sendo comercializado somente pela Novo Nordisk, a um valor de cerca de R$ 1,1 mil a caneta.
A perspectiva é que o produto seja vendido a menos da metade do preço atual, o que abre margem para ampliar o público-alvo da semaglutida, originalmente desenvolvida para diabetes, mas que ganhou projeção global ao ser usado como off label para combater a obesidade.
A Biomm, no entanto, não estará sozinha nessa corrida pela produção de genéricos da semaglutida. Laboratórios nacionais, como EMS, Cimed e Prati-Donaduzzi já demonstraram interesse em produzir o composto ativo.
A própria Novo Nordisk está se preparando para a expiração da patente no Brasil dos blockbusters Ozempic e Wegovy e está modernizando e ampliando a sua fábrica de Montes Claros, em Minas Gerais.
A companhia dinamarquesa anunciou um investimento de R$ 500 milhões na unidade fabril brasileira no ano passado. A ideia é triplicar, até 2027, a produção da enzima enteroquinase, essencial para a produção do Ozempic e do Wegovy.
Um fator que deixou mais rigorosa a compra desses medicamentos foi a aprovação, pela Anvisa, de um controle mais rigoroso na prescrição das canetas emagrecedoras. A nova norma, que vai entrar em vigor em dois meses, tornou obrigatória a retenção de receita para compra do medicamento nas farmácias.
Aumento de participação acionária
Para avançar com esse movimento, a Biomm tem recebido mais aportes de seus acionistas. A gestora WNT Capital, por exemplo, aumentou sua participação para 25,3%, em janeiro deste ano. Em fevereiro de 2024, ela tinha 18% das ações.
Com direito a um assento no Conselho de Administração da empresa, a WNT Capital indicou Pedro Mesquita, fundador da Exa Capital, e que comandou o banco de investimentos da XP.
O presidente do Conselho é Cláudio Lottenberg, chairman do Hospital Israelita Albert Einstein. O atual presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Márcio Pochmann, também integra o colegiado da Biomm.
No ano passado, a empresa realizou aumento de capital da ordem de R$ 217 milhões. Deste total, R$ 150 milhões foram estruturados pelo Banco Master, de Daniel Vorcaro.
O grupo Walfrido, do ex-ministro do Turismo Walfrido dos Mares Guia e fundador da empresa, tem 8,93% da composição acionária da Biomm. A Cedro Participações tem 8%. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também é sócio com uma fatia de 5,52%.
Sobre o aumento de participação acionária da WNT, a empresa informou que “a Biomm recebeu aportes de diversos acionistas, que possibilitam a companhia de seguir com seu plano de expansão.” E completa: “A empresa possui capital pulverizado e não tem acordo de acionistas, acionista controlador ou bloco de controle.”
Em abril do ano passado, quando anunciou ao mercado que iria produzir o Ozempic genérico, as ações da Biomm tiveram valorização de 38%. Nos últimos 12 meses, os papéis na B3 registram queda de 40,40%. A companhia está avaliada em R$ 1,24 bilhão.