O trabalho policial envolve decisões tomadas em segundos, em contextos de alto risco, em que a vida do próprio agente e de terceiros está em jogo.
No Brasil, essas situações levantam questões complexas sobre a responsabilidade legal do policial, especialmente quando envolvem crises emocionais, tentativas de suicídio e salvamentos em condições extremas.
Do ponto de vista jurídico, a atuação do policial é regida por um conjunto de normas que incluem a Constituição Federal, o Código Penal, o Código de Processo Penal e regulamentos internos das corporações. O artigo 23 do Código Penal, por exemplo, prevê que não há crime quando o agente pratica o ato em estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito. Essa previsão ampara juridicamente a atuação policial em casos em que medidas rápidas e até invasivas são necessárias para preservar a vida.
No entanto, a linha que separa a ação necessária da eventual responsabilização é tênue. Em operações de salvamento, qualquer lesão decorrente da contenção pode gerar questionamentos judiciais, tanto na esfera civil quanto criminal. Daí a importância dos protocolos técnicos e da documentação minuciosa de cada ocorrência, para comprovar que o policial agiu dentro dos limites do dever legal.
O policial militar Silvio Alessander Encarnação, com mais de 14 anos de experiência na corporação paulista, viveu de perto situações em que sua ação imediata foi decisiva para impedir tentativas de suicídio. Em uma delas, impediu que um homem se jogasse de uma ponte, aplicando uma técnica de contenção física no exato momento em que a vítima se preparava para pular. “Naquele instante, não há tempo para consultar manuais ou esperar reforço. A decisão precisa ser rápida e técnica. Mas o respaldo legal é fundamental, porque o policial precisa ter certeza de que está protegido quando age para salvar”, explica.

Casos como esse evidenciam o desafio da segurança pública em equilibrar ação policial com responsabilidade jurídica. Para especialistas, é fundamental que as corporações invistam em treinamento em gestão de crises, abordagens humanizadas e uso proporcional da força. Quanto mais estruturada for a formação, menor o risco de que uma intervenção necessária seja questionada como abuso ou excesso.
Outro ponto relevante é a judicialização crescente da saúde mental no Brasil. O país registra cerca de 14 mil suicídios por ano, e as tentativas frustradas mobilizam recursos de saúde, assistência social e segurança. Nesse cenário, o policial é frequentemente o primeiro a intervir, assumindo um papel que extrapola o combate ao crime e se aproxima da preservação da vida. O respaldo jurídico, portanto, precisa estar alinhado a essa realidade.
O equilíbrio entre agir para salvar e responder judicialmente por isso depende de dois fatores principais: clareza normativa e apoio institucional. Para Silvio, a fé e a disciplina são guias pessoais, mas é o preparo técnico que garante segurança jurídica. “O policial precisa confiar em sua formação e saber que está respaldado pela lei. Sem isso, cada intervenção se transforma em risco duplo: para a vítima e para o próprio agente”, destaca.
A responsabilidade legal do policial, portanto, não deve ser vista apenas como limite, mas como garantia. Ela assegura que o agente aja com segurança, protegido pela lei, enquanto cumpre seu papel essencial: preservar vidas em situações de crise.