Javier Milei está no momento mais crítico do seu governo na Argentina. As incertezas quanto à ajuda financeira americana estão abalando novamente os mercados. Desconfiados, os argentinos voltaram a comprar dólares. E um novo escândalo atinge um deputado próximo do presidente. Tudo isso ameaça a já fragilizada perspectiva eleitoral do governo nas eleições legislativas deste mês. Se não for bem na votação, Milei poderá ter ainda mais dificuldade de governar, com consequências difíceis de prever.
Os mercados vinham oscilando antes mesmo das eleições legislativos da Província de Buenos Aires, no início de setembro, diante da dificuldade evidente do governo em manter a valorizada taxa de câmbio do peso. A derrota eleitoral agravou a percepção de risco, e os mercados desabaram. Foi então que chegou a ajuda da Sétima Cavalaria: os EUA anunciaram a intenção de fazer o que fosse necessário para ajudar o aliado Milei a sair do buraco financeiro. Isso levou a uma onda de otimismo que reverteu parte das quedas nos mercados.
Mas esse otimismo durou pouco, diante da falta de detalhes e de um cronograma para a ajuda financeira americana. Além disso, com o “shutdown” nos EUA, é pouco provável que o governo americano concretize qualquer ajuda à Argentina num momento em que está deixando de pagar funcionários públicos e fornecedores e cortando serviços essenciais. Um grupo de senadores democratas criticou ainda, nesta semana, o uso de dinheiro público americano para resgatar a Argentina.
Com isso, os mercados voltaram a ter fortes quedas nesta semana. O dólar subiu todos os dias nesta semana e voltou a ser cotado perto do teto da banda cambial operada pelo governo. Dados do Banco Central argentino mostram que o número de pessoas físicas que compraram dólar subiu 50% nos últimos dois meses. Ou seja, os argentinos estão desembarcando do peso, após um breve flerte. Para tentar conter esse movimento, o BC voltou a vender seus escassos dólares. Os títulos da dívida argentina no exterior voltaram a cair, e o risco-país bateu em 1.230 pontos (estava em 829 antes da piora recente). O índice Merval, da Bolsa de Buenos Aires, acumula queda de cerca de 30% no ano.
Nesta manhã, o secretário do Tesouro americano quis ajudar, mas pode ter prejudicado ainda mais a situação argentina. Numa postagem no X, Scott Bessent reafirmou a intenção de fazer o que for preciso para ajudar a Argentina, mas ao mesmo tempo pareceu reduzir as expectativas ao dizer em entrevista a uma tevê americana que os EUA não vão colocar dinheiro no país, mas que farão apenas um swap cambial de US$ 20 bilhões, isto é, uma operação de troca de moeda entre os países por um período, que depois é desfeita. Com isso, ele descartou a possibilidade de os EUA comprarem títulos da dívida argentina.
Mesmo o swap daria um fôlego financeiro ao governo argentino, mas Bessent não deu nenhum detalhe do prazo. Falou apenas em negociações nos próximos dias. E parece cada vez mais difícil que a operação aconteça antes as eleições de 26 de outubro na Argentina.
Além da crise econômica, o inferno astral de Milei continua também na política. Nesta semana, um aliado próximo do presidente, o deputado federal José Luis Espert, foi acusado de ter relações próximas com um narcotraficante argentino condenado nos EUA. Segundo a denúncia, o deputado teria recebido US$ 200 mil de Fred Machado em 2020, além de outros favores. Em troca, teria feito lobby em favor de Machado.
Espert encabeça a lista de candidatos governistas na Província de Buenos Aires, ou seja, ele é uma espécie de líder da campanha eleitoral do governo na principal província, que concentra 40% dos votos do país. Para piorar, o deputado não respondeu ainda às acusações. Disse apenas que são uma tentativa da oposição de prejudicar a agenda econômica do governo. Esse silêncio foi criticado até pela ministra do Interior, Patricia Bullrich, que cobrou explicações para “salvar o presidente”.
O escândalo envolvendo Espert já é, em si, ruim para o governo. Mas seu impacto negativo é potencializado por acontecer na esteira do escândalo de corrupção envolvendo a irmã de Milei, Karina, que estourou em agosto e que ainda não foi explicado pelo governo. E ocorre também num momento em que o país está chocado pelo brutal assassinato de três mulheres, exibido pela internet para um grupo de pessoas, a mando de um narcotraficante.
Tanto a piora na economia como o escândalo Espert devem prejudicar ainda mais a expectativa eleitoral do governo nas eleições deste mês, que vão renovar parte do Congresso. Milei contava com um bom resultado para alavancar sua base de apoio e, assim, depender menos de acordos com a oposição para avançar na sua agenda legislativa. A derrota de setembro em Buenos Aires já havia, porém, redimensionado essa expectativa.
Uma pesquisa do instituto Management & Fit, divulgada nesta semana, indica que a coligação governista (composta pelo partido A Liberdade Avança, de Milei, e o PRO, do ex-presidente Mauricio Macri) lidera com 39,6% das intenções de voto, contra 34% da coligação opositora Força Pátria, liderada pelo kirchnerismo. É um resultado muito mais apertado do que se esperava. No início de agosto, pesquisa desse mesmo instituto indicava vantagem de 40,3% a 27,8% para o governo. E a pesquisa divulgada nesta semana foi feita antes da piora dos mercados e da acusação contra Espert. Ou seja, mesmo essa pequena vantagem pode desaparecer.
Isso aponta para um cenário potencialmente muito perigoso para Milei. Se não vencer as eleições deste mês, os dois anos restantes do seu mandato e sua chance de reeleição em 2027 ficarão comprometidos. E, com perspectiva de poder reduzida, ele pode ser logo abandonado pelos partidos que hoje o apoiam. Isso seria desastroso para Milei, mas também para a Argentina, pois ameaçaria trazer de volta uma espiral de deterioração da economia.