Brasília e São Paulo – A derrubada de três decretos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que aumentavam o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), na noite de quarta-feira, 25 de junho, pelo Congresso Nacional, deixou poucas opções para a equipe econômica compensar a perda de arrecadação, estimada em R$ 10 bilhões neste ano e R$ 20 bilhões em 2026. E ainda agravou o quadro fiscal para 2026.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitiu na quinta-feira, 26, que restou ao governo três alternativas: ir à Justiça contra a decisão do Congresso, que Haddad considera inconstitucional, buscar novas fontes de receita ou fazer um novo congelamento de gastos do Orçamento que “vai pesar para todo mundo”.
Das três opções, segundo apurou o NeoFeed, apenas uma é viável no curto prazo: um novo contingenciamento no Orçamento de 2025, estimado em mais de R$ 12 bilhões, que se somaria aos R$ 30 bilhões anunciados anteriormente.
As demais alternativas, em tese, dependem do Congresso ou de articulações políticas que devem avançar no segundo semestre, como obter receitas adicionais de petróleo, que poderiam agregar mais de R$ 20 bilhões ao caixa da União em 2025, e negociar o recebimento de dividendos extraordinários de estatais, como Petrobras e BNDES, e criar novos tributos – essa alternativa está fora de questão.
Para complicar o quadro, a derrota esmagadora do governo no IOF não encerra os atritos com o Congresso. Os embates continuarão ao longo dos próximos meses, com um estica e puxa dos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).
De imediato, os parlamentares devem alterar pontos da Medida Provisória 1303/2025, que trouxe alternativas para contrabalançar a derrota inicial do primeiro decreto do IOF – sobre venda antecipada do pré-sal, por exemplo. O embate está marcado para o segundo semestre.
O mesmo deve ocorrer com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), ainda a ser apresentada, que deve reduzir de maneira linear os gastos em 10%. A derrota desta quarta empoderou ainda mais o Congresso, que vai continuar testando forças – e ganhando no voto quando decidir colocar os itens em pauta para desmoralizar o governo.
Encruzilhada
Sem buscar a revisão de benefícios e com a dificuldade de aprovação nas pesquisas – além dos próprios desacertos nas negociações com o Congresso e nas soluções de impasses -, o governo Lula chegou a uma encruzilhada.
O Legislativo, por sua vez, não tem criado alternativas para equilibrar as contas. Há poucos dias, o Congresso derrubou vetos do presidente Lula aos jabutis da Lei das Eólicas Offshore que podem aumentar as despesas do governo em até R$ 65 bilhões.
Além disso, tem pressionado o governo para liberar emendas parlamentares. Após a derrubada dos decretos do IOF, o Executivo afirma que vai elevar em R$ 2,7 bilhões o congelamento de emendas neste ano. Para o ano que vem, a liberação de outros R$ 7,2 bilhões podem ficar suspensas. Isso faria a contenção dessas despesas subir para R$ 9,8 bilhões.
Em meio a essa briga entre Executivo e Legislativo, o Brasil assim se aproxima a cada dia de um apagão – o temível shutdown, a paralisia de serviços por conta da dificuldade de recursos.
Essa possibilidade foi citada por Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos. “A saída dessas receitas que seriam geradas pelos decretos do IOF derrubados pelo Congresso e a incerteza com a MP 1303 e também com o corte de benefícios tributários, que ainda não foi enviado pelo Executivo, tornam o quadro muito mais complexo”, afirma Salto ao NeoFeed.
Segundo ele, para 2026, o contingenciamento necessário seria muito grande em comparação com a receita discricionária, que é muito baixa, prevista no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) do ano que vem, – o documento anual que estabelece as diretrizes e metas para a elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA) do governo.
Isso elevaria o risco de shutdown, uma paralisação da máquina pública. “Ou seja, o cenário de alteração da meta fiscal do ano que vem do gasto primário fica ainda mais provável”, acrescenta Salto.
Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, afirma que o grande problema é que o governo já tentou de tudo para aumentar a receita.
“A maior dificuldade é justamente em reduzir o gasto, que o governo não mostra interesse no curto prazo ou não tem consenso no Congresso para avançar”, diz Barros. Ele cita medidas propostas pela equipe econômica e rejeitadas por Lula, como mexer na vinculação de gasto de saúde e educação e fazer reforma administrativa.
Com isso, o governo tenta ganhar tempo buscando medidas que aumentem a receita, como a de ampliar a arrecadação com petróleo e dos dividendos extraordinários de estatais.
“O que depende só do Executivo, como um pente-fino nas despesas, não funcionou”, emenda Barros, dando como exemplo o combater à concessão irregular de benefícios sociais. “O governo Temer economizou R$ 18 bilhões com esse pente-fino dos gastos sociais, o potencial atual é maior, de pelo menos R$ 30 bilhões, ou seja, tem onde atacar, mas falta ao governo mostrar interesse.”
Há, por fim, o que Barros classifica como “problema matemático” do arcabouço fiscal. “Para ficar de pé, o arcabouço depende de R$ 150 bilhões de receitas todo ano; o governo até conseguiu esse valor em 2023 e em 2024, mas não obteve esse montante este ano e nem vai obter em 2026”, adverte.