Alguns termos, como “experiência do usuário” e “hiperpersonalização”, são tão batidos na indústria financeira que muitas vezes parecem jargões vazios. Mas nem sempre é bem assim. Nos casos de sucesso, essas decisões são baseadas em processos construídos por grandes consultorias globais, com muita pesquisa e ciência por trás, além do trabalho de centenas ou até milhares de profissionais do próprio banco, que ouvem os clientes e testam diversas opções de soluções.
Às vezes, mudanças na terminologia usada, nas cores ou mesmo na posição de um botão na tela do app podem ter impacto significativo. No Itaú, Fabricio Dore, diretor de experiência e design, conta que na tela da fatura do cartão de crédito, mudar um botão de local teve desdobramentos importantes.
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“A gente tem a opção de ‘parcelar fatura’, que é um serviço para o cliente e obviamente gera receita para o banco, porque você está concedendo um empréstimo. Então, nós fizemos vários testes, analisando onde na tela escreveríamos esse ‘parcelar fatura’, e até as palavras usadas, e a diferença foi brutal, inclusive com impacto financeiro significativo, de centenas de milhões de reais. Essas mudanças de layout de interação, todas elas têm implicações”, explica.
Outro exemplo é o “hub de segurança” criado pelo banco, que concentrou em uma tela uma série de medidas que estavam espalhadas em áreas diferentes do aplicativo. Com isso, os acessos por mês nesse tema saíram de 20 mil para mais de 1,5 milhão. Um exemplo é quando o cliente está fazendo um Pix para uma conta desconhecida. Os sistemas do banco identificam a possibilidade de a operação ser um golpe e uma tela vermelha é apresentada, orientando o usuário.
“Quando o cliente é questionado se quer seguir mesmo com aquela operação, o botão principal, o ‘call to action’ dessa interação é ‘não, não quero’. Isso muda completamente [o resultado do alerta feito]. Só com esse botãozinho a gente evitou 140 mil fraudes”, conta o diretor.
Em outro caso, quando o cliente ia fazer um Pix, aparecia na tela a opção de parcelar aquele pagamento, mesmo quando ele tinha saldo em conta para realizar a transação integral. Dore relata que o fato de a opção “parcelar Pix” aparecer com um contorno brilhante em volta levava muitos usuários a clicar erradamente nela. “Foi um aprendizado, a experiência nos mostrou que não era uma boa prática. Muita gente clicava e errava, e isso gerava frustração. Depois a gente mudou, criou outra tela, e percebeu que, onde a gente dava mais transparência para o cliente sobre os juros que ele ia pagar naquela transação, foi a opção que mais teve sucesso”.
Dore voltou para o Itaú no início de 2023, após uma longa carreira na McKinsey e passagens por empresas na Europa e nos EUA. Ele aponta que o design tem, sim, uma parte artística, mas ressalta que trabalhar com experiência do usuário exige método e processos. “Abordagens muito pontuais e que não estão relacionadas à geração de valor não funcionam. Não adianta ter a experiência pela experiência. Ela precisa estar ligada à geração de valor. Pode ser o valor financeiro, pode ser valor em engajamento, em evolução de indicadores operacionais”.
Assim, ele criou dois indicadores para ajudar a avançar nessa questão: o ‘costumer satisfaction score’ e ‘costumer effort score’. Enquanto o primeiro avalia a satisfação, o segundo mede “dores” do cliente, que precisam ser solucionadas, mas que não são soluções novas. “A dor dificilmente leva você para inovação. Já quando você identifica necessidades do cliente, você cria coisas novas em cima disso.”
Dore revela que o Itaú recebe mais de 2 milhões de “inputs” por dia, de clientes de todas as pesquisas que o banco faz nos diversos canais, dizendo o que eles querem que seja melhor. Com o auxílio de inteligência artificial para analisar esses dados, isso ajuda o banco até mesmo a priorizar o que precisa ser melhorado.
Entre as áreas que devem passar por uma reformulação em breve está o atendimento a pequenas e médias empresas. “Vamos fazer um investimento grande, que está 99,99% ancorado em experiência de cliente. Quando você olha o potencial de resultado, seja por aumento de receita, seja por redução de custo, ele é significativo para o banco. A gente sabe hoje que, no geral, cada ponto de melhora no NPS [métrica de satisfação do usuário] gera R$ 1 bilhão de receita a mais para o banco no ano”.