Tradicional corredor de confecção e acessórios, como sapatos e bolsas, em décadas passadas, a Avenida Monsenhor Tabosa já não tem mais um setor comercial específico. Caminhando por ali é possível encontrar, ainda, lojas com décadas de tradição, como também oficinas de bicicleta, barbearia, salão de beleza, consultório dentário e até um self-service de comida natural.
Discretas, lojas de decoração fina, com rendas e bordados, misturam-se às de souvenirs baratos para turistas desavisados, que não passaram pela Feirinha da Beira Mar ou pelo Mercado Central. Em uma esquina, um supermercado traz mais movimento, assim como uma agência bancária e uma loja Americanas.
Na outra ponta, uma floricultura e antiquários, que iniciaram suas instalações este ano, podem ser um sinal de um novo começo para a via, tão badalada até a década de 1990 e, aparentemente, não tão lembrada no tempo atual.
Para o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Fortaleza, Assis Cavalcante, a vocação da avenida precisa ser estudada.
“Ela é muito importante para a área central de Fortaleza, mas o viés estritamente comercial já acabou. Precisa se reinventar. Por isso, apostamos em um projeto mais cultural para aquela região, onde o comércio estará integrado, mas não será o grande foco”, comenta.
O que os comerciantes têm a dizer
Eduardo Carneiro é proprietário da Floricultura Chácara das Rosas. Com 100 anos de história, o comércio sempre esteve na área central e, há 2 anos e meio, na primeira quadra da Monsenhor Tabosa.
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Eduardo Carneiro é dono de floricultura e diz que localização e ponto são os motivos que o fazem ficar na Monsenhor Tabosa
Davi Rocha
“Eu não vivo do movimento da rua. Vivo das vendas da internet e dos clientes que tenho. Muita gente nem me vê aqui, porque passa rápido, mas o bom é que todo mundo sabe onde é a Monsenhor Tabosa. É uma ótima referência. Para quem eu digo, não tem erro”.
Ele comenta que a possibilidade de uma requalificação da via fez com que salas do seu entorno começassem a ser alugadas. “O que para nós que já estamos aqui é bom, porque pode trazer mais movimento e mais segurança”.
Artigos de festa e feitos sob medida ainda chamam público
Leiliane de Paula trabalha há 20 anos na loja Gonçalves, que há 40 anos vende roupas de festa. Ela conta que a crise econômica de antes da pandemia já tinha feito com que os clientes diminuíssem.
“Aí, com a pandemia, quem não tinha capital não se segurou, mas as lojas de nome ficaram, porque os clientes não são da avenida, são das lojas”, diz.
Leilane ainda revela que o fato de ser uma “loja de fábrica” é que faz a diferença em 90% de suas vendas. “Mas ficamos aqui porque é uma referência e tem clientes que nos acham na internet e vir aqui ainda é mais fácil”, lembra.
Há 34 anos com uma loja de roupas masculinas com números do 38 ao 70 ou sob medida, Sassá Abdon revela que agora a Monsenhor Tabosa está “excelente”.
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Comerciante há mais de 30 anos no local, Sassá Abdon é defensor da Monsenhor Tabosa e diz faltar incentivo do município para empreendedor local
Davi Rocha
“Já esteve pior, e o nosso problema aqui é que mudou o perfil de compra. Agora, o cliente vem para a loja do Sassá, estaciona o carro, entra, compra e vai embora. O cliente que está passando na calçada, esse não existe mais”.
Ele ainda reforça que, na maior parte do tempo, as calçadas estão vazias. “Mas as lojas continuam aqui porque os seus clientes cativos ou os de boca-a-boca continuam vindo.”
O comerciante não gosta quando se fala em decadência do local e aponta que esse discurso tem espantado os pedestres ano após ano. “Precisamos de ações que tragam o movimento, que nos ajudem e não espantem quem quer vir para cá”.
Sobre a possibilidade de instalação de uma coberta ao longo da via (veja mais sobre isso abaixo), Sassá afirma que “não é isso que a Monsenhor Tabosa precisa”. “Isso tá fazendo até os donos das salas aumentarem os aluguéis, sem nem saber se vai sair. O que precisamos são incentivos, programa de redução de impostos para quem é estabelecido ou quer entrar legalmente”, reforça.
“Não somos unidos”
Eveline Abdon, diretora de Promoções da Associação dos Lojistas da Monsenhor Tabosa (Almont), afirma que atualmente a avenida possui cerca de 100 estabelecimentos comerciais. O quantitativo seria a metade dos pontos disponíveis no local.
Destes 100 lojistas instalados, apenas 25% é associado à Almont. “Não somos unidos. Tentamos, por meio da associação, buscar formas de melhorar e cobrar dos órgãos públicos providências, mas o lojista não quer se associar, o que torna tudo mais difícil”, comenta.
Sobre o projeto de revitalização da via, Eveline afirma que a Secretaria do Turismo de Fortaleza (Setfor) já realizou uma primeira conversa com os comerciantes locais para levantar o perfil e saber pontos ociosos.
Mas, para nós, não foi apresentado nada. Não existe projeto sendo trabalhado”, diz Eveline.
A comerciante ainda afirma que, caso requalificada, a via precisará dar mais segurança para quem quer trabalhar, podendo ficar aberto por mais tempo, ou no período noturno, trazendo lazer para que as pessoas voltem a caminhar pela região.
Pedestres são na maioria turistas
Vindas do Pará, as amigas Maria José, 68 anos e Telma Pereira, 65, faziam compras nas lojas da Monsenhor Tabosa, em uma tarde ensolarada. Elas contam que adquiriram esse hábito há tempos e que, quando estão em Fortaleza, uma tarde é separada para esta caminhada.
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Turistas do Pará aproveitam preços e qualidade em lojas de fabricação própria
Davi Rocha
“Ficamos aqui perto, em um hotel, e gostamos do que é oferecido. Aqui ainda vale a pena comprar”, diz Telma.
Já Maria lembra que, além do passeio na avenida, elas aproveitam um dia de compras no Centro Fashion. “Lá tem muito do que tinha antes aqui. Por isso, damos uma passada por lá também”.
O tempo e as mudanças na via
Originalmente conhecida como Rua do Seminário, a Avenida Monsenhor Tabosa surge na segunda metade do século 19, segundo a professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza (Unifor), Camila Girão, em um processo de expansão urbana da cidade de Fortaleza, muito marcado pela implantação do Seminário da Prainha.
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Avenida Monsenhor Tabosa no século XX com Seminário da Prainha do lado direito.
Arquivo DN
A via, originalmente, surge para abrigar o equipamento do seminário e também como um eixo originário de ligação leste-oeste e como expansão da área habitacional da zona central da Cidade”.
Durante as décadas de 1970 até 1990, foi um grande polo de confecção e acessórios, principalmente dos produtores locais, que possuiam suas fábricas nos bairros Montese, Aerolândia, entre outros, com suas marcas próprias, de roupas femininas, masculinas e infantis.
“Essas marcas tinham as lojas de shopping e também uma espécie de meio atacado, meio varejo, lá na Monsenhor Tabosa”, afirma o especialista em varejo e professor da Faculdade CDL, Christian Avesque.
Para a atividade comercial, a avenida se tornou um corredor importante. Tanto para o consumidor da classe média de Fortaleza, que morava nos bairros Aldeota, Varjota, Meireles, Dionísio Torres, Cocó, Papicu e Fátima, que buscava peças de uma qualidade de custo-benefício (nem tão baratos e nem premium), com preços mais acessíveis do que os de shopping centers, quanto para turistas.
“Nesse período você tinha um corredor turístico, que, na alta estação, também contava com empresas que trabalhavam renda, moda praia, filó… Então você tinha ali uma pujança comercial. Era um corredor que tinha um fluxo sem ter interrupção, relativamente seguro e com várias conexões com a área da praia da cidade, o centro e os bairros adjacentes”, comenta Avesque.
Movimento muda a partir dos anos 2000
Os corredores comerciais, principalmente a Monsenhor Tabosa, para não ficar dependendo do fluxo turístico e de uma “compra mais pingada”, começam a se popularizar, trazendo alguns comerciantes locais com produtos de preço bem mais baixo.
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Avenida Monsenhor Tabosa em 2007, com alto fluxo de pessoas e de carros
Silvana Tarelho/Arquivo DN
“Aqui vemos um primeiro projeto de requalificação da Monsenhor Tabosa, com criação de zonas azuis, que impedem o fluxo de quem busca conforto, estacionamento, conveniência, e aí você começa a degradar um pouco mais esse corredor (comercial)”, comenta o professor.
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Obras na avenida Monsenhor Tabosa, em 2013, compreenderam toda a extensão da vida
José Leomar/Arquivo DN
Somado a isso, conforme o especialista, assim como em outras avenidas da Cidade, as empresas de moda e acessórios vão para a área central e para os centros de atacado de moda e seus arredores, como o Centro Fashion e outros em outros bairros da Cidade, buscando custos de operação menores e fluxo de pessoas maior.
“Com isso temos o entorno dessa Monsenhor Tabosa começando a se degradar. A Praia de Iracema, aquela primeira parte perto do Seminário da Prainha. E, também, próximo ao Marina Park, começam os galpões vendendo produtos muito baratos, sem nota e sem qualificação. Aí a conta não fecha para quem tem uma loja de 80m², folha de pagamento, aluguel, imposto sobre venda, e você começa a ter uma fuga desses comerciantes mais qualificados”, reforça o professor.
“Cartel” de aluguéis
Conversando com lojistas, a reportagem do Diário do Nordeste apurou que os aluguéis das salas comerciais variam de R$ 1,6 mil até R$ 8 mil. Dependendo da movimentação do entorno e, claro, do tamanho do ponto.
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Preços altos e imóveis na mão de poucos proprietários espantam quem quer investir no comércio da rua
Davi Rocha
O especialista em varejo e professor da Faculdade CDL, Christian Avesque, recorda ainda um problema que vem desde a década de 1980 e se perpetua até hoje: a concentração de propriedade dos imóveis naquela região.
“É quase como um cartel de preço e de pagamento de aluguel, porque os imóveis estão na mão de poucas pessoas. E, infelizmente, esses empresários não tiveram a sensibilidade de fazer negociação ou contratos novos condizentes com a realidade dos faturamentos. Então, muitos preferem deixar fechados esses imóveis, do que locar para pequenos e médios empresários”.
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Avenida Monsenhor Tabosa, em 2015, completamente revitalizada
Fabiane de Paula/Arquivo DN
Há também outro ponto que estes proprietários de imóveis daquela região podem levar em conta para não negociar ou baixar os valores dos aluguéis. Seria um possível projeto de médio prazo de expansão imobiliária naquela área, principalmente com a requalificação da Praia de Iracema, que poderia valorizar tanto para locações como para vendas os imóveis desocupados.
Sobre os aluguéis, o presidente da CDL, Assis Cavalcante, diz ter valores parecidos com os da área central da Cidade, mas que, muitas vezes, não condiz com a realidade do comerciante que quer empreender em um comércio de rua.
Orientamos que quem quer investir negocie carência de 3, 6 ou até 12 meses. Para os donos dos pontos, lembrando que muitos estão fechados há bastante tempo, fazemos um apelo para aceitarem estes acordos de carência e que pratiquem preços condizentes com o que os inquilinos vão conseguir faturar, para não fecharem em pouco tempo”.
Cavalcante ainda reforça que, quanto mais lojas abertas, mais geração de emprego e renda. “Com os imóveis fechados não ganha ninguém. Uma grande oferta de aluguéis progressivos pode chamar os empreendedores para área. (Proprietários), viabilizem o projeto do comerciante que quer empreender”, apela.
Projeto de “rua coberta” pode reavivar região
No início deste ano, ainda tomando posse do novo cargo, o prefeito de Fortaleza, Evandro Leitão, falou da possibilidade de a Avenida Monsenhor Tabosa se tornar uma “rua coberta”, a exemplo da que existe hoje na cidade de Gramado (RS). Na época, ele não soube precisar como isso seria feito e qual perfil o local teria. Como prazo, ele deu “até o final deste mandato”.
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Rua Coberta, em Gramado (RS), é citada como inspiração pelo prefeito Evandro Leitão para projeto da Monsenhor Tabosa
Paloma Vargas
A reportagem do Diário do Nordeste procurou a Prefeitura para saber mais sobre a iniciativa e pedir ainda, se fosse possível, uma entrevista com o prefeito Evandro para falar do tema. Mas, nenhum retorno oficial foi repassado.
Apenas a Citinova (Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação de Fortaleza), por meio da sua assessoria de comunicação, informou que está em fase inicial de estudos para elaboração de um projeto de requalificação da avenida. Porém, não foi explicado que modelos são estudados, se seria mesmo de uma rua coberta, ou se teriam outras formas sendo analisadas.
Para Avesque, especialista em varejo, a via coberta pode ser “uma alternativa muito interessante”.
Ele usa como exemplos as requalificações de espaços urbanos em grandes cidades da Europa, como Paris, que tem uma área chamada Les Halles, com estação de metrô, shopping, teatro, cinema, intervenções artísticas, que há cerca de 20 anos era uma área degradada da cidade. Barcelona também fez na área portuária, tal como Lisboa também fez na ligação com a cidade nova.
“O exemplo usado pelo nosso prefeito é a Rua Coberta 24 horas de Gramado (cidade turística da Serra Gaúcha). Agora, fazendo uma escala com a nossa Monsenhor Tabosa, a Rua Coberta em Gramado tem um terço do que seria a nossa extensão. Mas a ideia é extremamente válida, porque tiraria o viés apenas comercial e traz a questão do serviço, entretenimento e da cultura”.
Avesque reforça que assim é possível ter polos de gastronomia, prestação de serviço e da indústria criativa.
Podem ser criados centros de resgate cultural, com o nosso humor, forró, literatura de cordel, para que a gente pudesse falar sobre o cearense. Para que tivesse público não só de oito (da manhã) até seis (da tarde), mas para que tivesse atividades noturnas, em um ambiente socializado, abraçado e protegido pelo cearense e pelos turistas que aqui estão”.
Importância para o turismo
O especialista ainda reforça que ter um espaço comercial e cultural deste porte pode ser “importante para manter o turista aqui em Fortaleza.”
Ele comenta que estudos apontam que o turista que vem de fora normalmente faz um pacote de três até cinco dias e ele passa no máximo dois dias em Fortaleza. E quando ele fica, vai para a praia.
“Não tem um equipamento próximo aos hotéis, à orla, que traga essa cultura cearense. Acredito que com o projeto de requalificação da Praia de Iracema, com os espigões, havendo uma integração com essa Rua Coberta, você tem um raio de 3 a 5 km de várias atividades e atrações culturais, históricas, religiosas e de entretenimento”.
Sobre a possibilidade de se cobrir a avenida, Assis Cavalcante da CDL vê como “interessante” o projeto. “Com o sol cáustico que temos e com a proximidade da praia e da brisa do mar, essa cobertura pode trazer um clima altamente agradável para o pedestre. Porém, não sei como ficaria a passagem de carros”, comenta.
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Prefeito Evandro Leitão (PT), no início do seu mandato, falou em projeto de transformar a Avenida Monsenhor Tabosa em uma Rua Coberta
Davi Rocha
Incentivos são fundamentais
Especialistas acreditam que para reativar economicamente a região da Monsenhor Tabosa, apenas um projeto arquitetônico não é o suficiente.
Reduções de ISS (Imposto sobre Serviços) e IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) para a indústria criativa, bares, restaurantes, centros culturais, empresas que trabalhem atrativos da cultura local, do artesanato, seriam importantes para a viabilidade da instalação.
Para Camila Girão, professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza (Unifor), o corredor 24 horas com comércios, serviços e indústrias de tecnologia da informação, é uma tentativa que faz sentido, mas para isso a prefeitura “tem que entrar com uma série de incentivos, para que essas atividades se desloquem de volta para lá”.
“Tem uma necessidade, talvez, de reconfiguração do espaço que viabilize realmente a instalação desses equipamentos novos. E tem o viés da estrutura fundiária, sobre a possibilidade de comercialização dos lotes. Também acho que é uma coisa que a prefeitura vai ter que entrar com alguns instrumentos urbanísticos, que façam com que os proprietários, de fato, viabilizem o uso dos espaços que hoje estão fechados”.
PPP pode ser caminho
Já Christian Avesque aponta a possibilidade de uma Parceria Público-Privada (PPP) para viabilizar essa nova estruturação da avenida e seu entorno.
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Uma das avenidas mais tradicionais de Fortaleza passa por falta de movimento e incerteza de modelo de comércio
Davi Rocha
“Assim, as empresas podem se responsabilizar pela pavimentação, pela iluminação, pela segurança e pela zeladoria desse entorno. Poderia ser um hub com quatro grandes empresas, que ganhariam a concessão durante cinco anos, dez anos, para garantir a integridade, o conforto e a experiência turística, cultural e de entretenimento desta área”.
Ele aponta transportes coletivos atrativos, passando e levando pessoas para a região, também como ponto a ser estudado para reavivar a Monsenhor Tabosa e aquele entorno cultural da área central e Praia de Iracema.
“A prefeitura poderia trabalhar fortemente com novas linhas de transporte coletivo, não ônibus necessariamente, para que as pessoas possam ir e voltar a um custo menor”.