A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar na terça-feira (2) o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus acusados de golpe de Estado e outros crimes. Eles fazem parte do chamado “núcleo crucial” que, segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), atuou para manter Bolsonaro no poder após a derrota nas eleições de 2022 para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O julgamento é a última fase de um processo que se prolongou nos últimos anos e apura irregularidades que, de acordo com a PGR, começaram ainda em 2021, com ataques a instituições democráticas, culminou nos atos de depredação de 8 de janeiro de 2023 e tem desdobramentos até hoje, com a tentativa de aliados de Bolsonaro de pressionar o andamento das investigações por meio de articulações nos Estados Unidos. Todos os citados negam as acusações.
A seguir, a linha do tempo da trama golpista:
2021: Ataques às instituições
Segundo a PGR, as bases para a tentativa de golpe foram lançadas ainda 2021, com ataques frequentes ao STF e tom de ruptura institucional. De acordo com a denúncia, esse movimento ganhou força após decisão de 8 de março, quando o ministro Edson Fachin anulou as condenações de Lula na operação Lava Jato por incompetência da Justiça de Curitiba, devolvendo ao ex-presidente seus direitos políticos.
Em 22 de março de 2021 — poucos dias após Lula recuperar a elegibilidade —, aliados de Bolsonaro passaram a cogitar que o então presidente desobedecesse a decisões do Supremo. Teria sido elaborado, inclusive, um plano de contingência e fuga caso os militares não tolerassem a iniciativa.
Entre as manifestações de descontentamento citadas na denúncia, estão as lives transmitidas do Palácio do Planalto, nas quais Bolsonaro atacava o sistema eleitoral, e o ato de 7 de setembro daquele ano, quando intensificou os ataques ao ministro Alexandre de Moraes, do STF. Na ocasião, o então presidente pregou a desobediência às decisões do magistrado e afirmou que só sairia de Brasília “preso, morto ou com a vitória”.
2022: Derrota nas eleições
Após a derrota nas eleições de 2022, Bolsonaro não reconheceu formalmente a vitória de Lula. Nos bastidores, aliados do ex-presidente articularam ações para contestar o pleito. Durante seu interrogatório à Primeira Turma do STF em junho deste ano, Bolsonaro confirmou que apresentou “hipóteses constitucionais” aos então comandantes das Forças Armadas após perder a eleição de 2022 e debateu, em reuniões, a instalação de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
Segundo a denúncia da PGR, em dezembro de 2022, Bolsonaro apresentou a comandantes militares um plano para reverter os resultados eleitorais, incluindo a declaração de estado de sítio. Embora o comandante do Exército tenha rejeitado a proposta, o chefe da Marinha, Almir Garnier, mostrou-se disposto a apoiá-lo.
Simultaneamente, apoiadores de Bolsonaro montaram acampamentos em frente a quartéis em várias regiões do país, incluindo o quartel-general do Exército em Brasília. Esses acampamentos clamavam por intervenção militar e foram estimulados por membros próximos ao ex-presidente, conforme denúncia da PGR.
Os locais se tornaram pontos de organização e mobilização para os atos antidemocráticos, reunindo estruturas de apoio como barracas, banheiros químicos, cozinhas coletivas e até financiamento externo para mantê-los.
Segundo investigadores, o papel do ex-presidente na trama ficou mais evidente em fevereiro, com a deflagração da Operação “Tempus Veritatis”. De lá para cá, os investigadores colheram dezenas de depoimentos e reuniu novos indícios contra Bolsonaro e integrantes do antigo governo.
2023: Atos de 8 de janeiro
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O dia 8 de janeiro de 2023 ficou marcado pelos atos golpistas em Brasília e como o ataque à democracia brasileira. Naquele dia, apoiadores de Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes — Palácio do Planalto, Congresso Nacional e STF.
Os manifestantes protestavam contra o resultado das eleições de 2022 e defendiam uma intervenção militar. Vidraças foram quebradas, obras de arte destruídas e gabinetes vandalizados.
No âmbito das investigações sobre os atos, o STF abriu 1.628 ações penais, sendo 518 por crimes graves e 1.110 por delitos considerados menos graves. Até agora, foram registradas 141 prisões, das quais 29 são preventivas, 112 definitivas e 44 em regime domiciliar, com ou sem tornozeleira eletrônica. As condenações somam 638 pessoas, sendo 279 por crimes graves e 359 por crimes menos graves, além de 10 absolvidos.
Novembro de 2024: Bolsonaro e aliados são indiciados
Em novembro de 2024, a Polícia Federal (PF) indiciou 37 pessoas no inquérito que investigava a tentativa de golpe de Estado. Entre elas, Bolsonaro e seus principais aliados. Nessa lista, 25 são militares da ativa ou da reserva.
Na época, a PF apontou que, durante as investigações, encontrou indícios de participação dos investigados no caso, isto é, de que os envolvidos de fato cometeram os crimes apontados. “Com a entrega do relatório, a Polícia Federal encerra as investigações referentes às tentativas de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito”, afirma o documento.
Os indiciados foram divididos em seis núcleos de atuação que, segundo as investigações estruturaram-se por meio de divisão de tarefas, o que permitiu a individualização das condutas e a constatação da existência dos diferentes grupos. Além dos inquéritos acompanhados pelo STF, Bolsonaro é alvo de procedimentos na primeira instância e na Justiça Eleitoral. A condenação em uma das ações eleitorais o tornou inelegível até 2030.
Fevereiro de 2025: Denúncia pela PGR
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Em fevereiro, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou a denúncia do ex-presidente e mais 33 pessoas por organização criminosa e tentativa de golpe de Estado. Segundo a acusação, detalhada em 272 páginas, Bolsonaro e o ex-ministro Walter Braga Netto, candidato a vice na disputa presidencial de 2022, eram os líderes da organização criminosa. O plano previa execuções do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e de Alexandre de Moraes.
Ex-integrantes do alto escalão do antigo governo formaram o “núcleo crucial da organização criminosa”, que vai a julgamento nesta semana. Além de Braga Netto, o procurador-geral cita os ex-ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Anderson Torres (Justiça) e Paulo Sergio Nogueira (Defesa); o deputado Alexandre Ramagem, que foi diretor da Abin, e o ex-comandante da Marinha Almir Ganier.
Gonet também acusou o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, de participação desse núcleo, embora com menor autonomia decisória, como porta-voz de Bolsonaro. Cid fechou acordo de delação premiada durante as investigações.
A denúncia foi dividida em cinco peças. Segundo a PGR, manuscritos, arquivos digitais, planilhas e mensagens revelam a trama conspiratória organizada para romper a ordem democrática.
Março de 2025: STF aceita a denúncia
Em março, o Supremo aceitou a denúncia apresentada pela PGR e os sete aliados do núcleo central da suposta trama golpista.
Com a decisão, Bolsonaro e os demais denunciados passaram à condição de réus. Eles respondem por crimes como organização criminosa armada, tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. A ação penal foi formalmente aberta em 11 de abril.
Tentativa de interferência pelos EUA
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Com o avanço das investigações no STF, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, se licenciou do cargo e se mudou para os Estados Unidos em busca de apoio do governo do presidente Donald Trump para pressionar a Corte e o Congresso a reverter as acusações contra o pai. Ele defende que o Legislativo aprove uma proposta de anistia irrestrita aos acusados, inclusive Bolsonaro.
Como resultado dessas articulações, Trump impôs tarifas de 50% sobre produtos brasileiros e sancionou ministros do STF, incluindo Alexandre de Moraes. As medidas, justificadas por Washington como retaliação a uma suposta perseguição política a Jair Bolsonaro, incluíram a aplicação da Lei Magnitsky contra Moraes. O mecanismo foi criado pelos EUA originalmente para punir autoridades estrangeiras envolvidas em violações de direitos humanos ou corrupção.
As articulações de Eduardo são alvo de um inquérito do STF que apura coação no curso do processo da trama golpista, com auxílio de autoridades estrangeiras. Foi no âmbito dessa investigação que o ex-presidente foi alvo de medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica, posteriormente transformadas em prisão domiciliar.
Após descobertas de planos de fuga e tentativas de interferência externa, o STF determinou vigilância contínua sobre Jair Bolsonaro. O ex-presidente, já sob prisão domiciliar, foi acusado de planejar e pedir asilo ao presidente argentino, Javier Milei, e de buscar apoio na embaixada dos EUA. A PGR também denunciou Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro por obstrução da justiça e por coação a autoridades responsáveis pela ação penal do golpe de Estado, impondo restrições severas, incluindo a proibição de contato com autoridades estrangeiras.
É nesse contexto que Bolsonaro e aliados serão julgados nesta terça .2) Em resposta à pressão, o STF manteve sua posição, destacando a soberania nacional e a permanência do andamento do processo contra o ex-presidente.