Uma equipe de pesquisadores da Universidade de Nagoya, no Japão, e da Academia Eslovaca de Ciências, na Eslováquia, publicou um novo artigo explorando a relação entre a teoria quântica e a segunda lei da termodinâmica. Para aprofundar a análise, os cientistas recorreram ao paradoxo do Demônio de Maxwell, um experimento mental proposto pelo físico e matemático escocês James Clerk Maxwell.
Publicado na revista científica npj Quantum Information, o estudo aponta que apesar da teoria quântica não proibir violações da segunda lei da termodinâmica, os processos relacionados à mecânica quântica podem ser implementados sem infringir essa lei. Em outras palavras, os pesquisadores explicam que esses dois campos podem coexistir harmoniosamente, mesmo que sigam lógicas consideravelmente distintas.
Os autores afirmam que o estudo é importante porque a ciência geralmente considera que a teoria quântica e a segunda lei da termodinâmica não são totalmente compatíveis. Ou seja, as características dessa lei não correspondem exatamente ao que é observado na física quântica. Contudo, o novo estudo indica que mesmo com essas diferenças, ambas podem coexistir e operar juntas, ainda que suas definições não estejam alinhadas.
Segundo a termodinâmica, a entropia de um sistema isolado tende a aumentar com o tempo; trata-se de um crescimento na dispersão da energia e na desordem desse sistema.
Por exemplo, ao ser retirado da geladeira, um bloco de gelo absorve calor do ambiente e começa a derreter. Durante esse processo, a entropia do sistema aumenta, pois as moléculas de água, antes organizadas na estrutura sólida do gelo, passam a se mover de forma mais desordenada no estado líquido. Assim, se o líquido atingir a temperatura ambiente, sua entropia será maior do que a do gelo.
Na segunda lei da termodinâmica, o gelo não pode voltar espontaneamente ao estado sólido sem uma fonte externa de energia. Porém, a mecânica quântica apresenta características que entram em conflito com essa lei, pois alguns sistemas quânticos podem, em certas condições, ser matematicamente reversíveis no tempo. Mesmo assim, essa reversibilidade ocorre apenas em sistemas microscópicos altamente isolados e não significa que um bloco de gelo poderia espontaneamente reverter seu estado e se solidificar novamente.
“Nossos resultados mostraram que, sob certas condições permitidas pela teoria quântica, mesmo após contabilizar todos os custos, o trabalho extraído pode exceder o trabalho despendido, violando aparentemente a segunda lei da termodinâmica. Essa revelação foi tão emocionante quanto inesperada, desafiando a suposição de que a teoria quântica é inerentemente ‘à prova de demônios’. Existem cantos ocultos na estrutura onde o Demônio de Maxwell ainda pode fazer sua mágica”, disse o pesquisador líder do projeto, Shintaro Minagawa.
Paradoxo do Demônio de Maxwell
O Demônio de Maxwell é um experimento mental proposto por James Clerk Maxwell para questionar a segunda lei da termodinâmica. Imagine uma caixa cheia de gás, onde as moléculas se movem com velocidades diferentes; segundo a lei, a entropia desse sistema tende a aumentar naturalmente. Nesse contexto, o cientista imaginou uma pequena criatura (demônio) capaz de observar essas moléculas e controlar o seu movimento.
A proposta de Maxwell é a seguinte: o demônio abre a porta apenas quando uma molécula rápida se aproxima de um dos lados, o que permite sua passagem para um compartimento, enquanto impede que as moléculas mais lentas façam o mesmo. Com o tempo, isso faz com que um lado da caixa acumule moléculas mais rápidas, o que aumenta sua temperatura, enquanto o outro lado fica com moléculas mais lentas e uma temperatura mais baixa.
Essa diferença de temperatura, em teoria, poderia ser aproveitada para movimentar um motor térmico e gerar trabalho mecânico. Em outras palavras, o demônio poderia organizar o sistema e reduzir a entropia local. Ou seja, esse demônio estaria violando a segunda lei da termodinâmica; esse é o paradoxo.

“Ao passar apenas moléculas de movimento rápido do recipiente A para o recipiente B e apenas moléculas de movimento lento de B para A, o demônio provocaria um fluxo efetivo de A para B de energia cinética molecular. Esse excesso de energia em B, seria utilizável para realizar trabalho (por exemplo, gerando vapor), e o sistema poderia ser uma máquina de movimento perpétuo funcional”, a enciclopédia Britannica explica.
Demônio de Maxwell e a física quântica
O paradoxo do Demônio de Maxwell surge da ideia de que essa criatura poderia reduzir a entropia local ao separar as moléculas com base em sua velocidade. Contudo, análises mais detalhadas mostram que a entropia não diminui, pois o demônio precisaria gastar energia para observar e selecionar as moléculas. Esse processo já geraria entropia, o que manteria a validade da segunda lei da termodinâmica.
Existem outras soluções para esse paradoxo, mas todas sugerem que o demônio é um tipo de sistema físico e, por isso, também estaria sujeito às leis da termodinâmica. Para aprofundar a compreensão desse experimento mental, os cientistas do novo estudo desenvolveram um modelo que simula o funcionamento de um “motor” baseado nas regras sugeridas por Maxwell.
Em um comunicado oficial da Universidade de Nagoya, os cientistas explicam que o modelo acontece em três etapas: primeiro, o demônio mede o sistema, depois ele realiza a seleção das moléculas e, por fim, sua memória é apagada quando há interação com o mesmo sistema. Após essa etapa, eles utilizaram o conceito da entropia de von Neumann para calcular a coleta de energia realizada pelo demônio.
O estudo descreve que a teoria quântica não contradiz a segunda lei da termodinâmica, pois, quando a entropia diminui em uma parte do sistema, ela aumenta em outra. Ou seja, há um certo tipo de equilíbrio.
Com base nos cálculos da entropia de Von Neumann, os pesquisadores perceberam que, sempre que a entropia começa a diminuir em um sistema quântico, processos adicionais podem surgir para aumentar essa desordem e garantir a preservação da segunda lei.
A interação entre partículas e ondas é um dos mistérios mais fascinantes da física moderna. Quer entender melhor? Aproveite para explorar a dualidade onda-partícula e os conceitos fundamentais da física quântica. Até a próxima!