
Confesso que, durante muito tempo, ainda gastei latim e paciência tentando explicar aos desavisados — aqueles que conhecem a capa, mas não leram o livro — a natureza de minhas convicções sobre a política no Siará, em Pindorama e no mundo.
É um exercício curioso e exaustivo. Quando teço uma crítica a certas posturas, os canhotos logo me carimbam de “burguês reacionário”; quando o alvo muda, a direita raivosa me agracia com a alcunha de “esquerdista incurável”. Mal percebem eles, na sua cegueira binária, que me rotulam simultaneamente, anulando-se. Sempre naveguei com igual desenvoltura entre gregos e troianos, capuletos e montecchios. O segredo? Jamais escolhi amizades pelo crachá partidário, mas pela envergadura moral do sujeito.
Por isso, aproveito o espaço para ratificar, com a tinta indelével da coerência: não sou de direita, nem de esquerda. Sou, e serei até que a memória me falhe, um DEMOCRATA. E aqui, peço licença aos mestres para ir à raiz. Democracia, do grego demos (povo) e kratos (poder), não é o poder sobre o povo, mas o poder que emana do povo. Não professo a fé no direitismo ou no esquerdismo. Meu único “ismo”, meu dogma inegociável, é o HUMANISMO.
Minhas convicções não foram compradas em liquidação de rede social. Foram forjadas, desde os meus doze anos, na companhia silenciosa e imortal dos grandes. Aristóteles, Sócrates, Platão, Epiteto, Sêneca, Voltaire e Confúcio não são nomes em uma estante; são os arquitetos da minha bússola moral.
E é sob a luz dessa bússola que afirmo, com pesar categórico: nossa democracia encontra-se em estado de PCR (Parada Cardiorrespiratória), sendo desajeitadamente desfibrilada na calçada da história.
Antes de ontem, fomos testemunhas oculares de um dos capítulos mais dantescos de nossa “pseudodemocracia”. Um membro do Congresso Nacional, em um surto de protagonismo mambembe, tentou tomar não apenas o assento, mas a simbologia da Presidência da Câmara. O desfecho? Uma cena digna de octógono de MMA, e não do plenário de Ulysses Guimarães. O parlamentar foi removido sob a técnica apurada de um “mata-leão”, arrastado aos trancos e barrancos por uma legião de seguranças, num espetáculo que faria corar até os frequentadores de tabernas medievais.
Meus diletos leitores, sou da velha filosofia de que o rigor que vale para Chico, há de valer para Francisco. Aquele que hoje ocupa o trono da presidência da Casa demonstrou, naquele instante, o comportamento mais apequenado de que se tem notícia. Faltou-lhe a altivez, o pulso e a gravitas que o cargo exige. Sobrou-lhe, contudo, uma inquietante aptidão para marionete, assistindo inerte ao desmonte do decoro.
Se tivermos a coragem de analisar a política nacional hoje, veremos uma encenação trágica onde um cego pergunta a um surdo para onde o mudo foi.
O Legislativo, insaciável, sequestra as prerrogativas do Executivo. Exige o pagamento imediato de emendas vultosas, mas lava as mãos quanto à transparência de seu destino, transformando o orçamento público em uma caixa-preta de segredos inconfessáveis. O Judiciário, por sua vez, arvora-se em “supremo guardião” e intervém na política cotidiana, iniciando inquéritos contra o Legislativo e tensionando a corda até o limite. E o Executivo? Este senta-se à mesa, refém, negociando o inegociável, vetando aqui para ceder ali, num balcão de negócios que envergonharia um vendilhão do templo.
No fim, instaurou-se o caos político-administrativo perfeito. Pindorama tornou-se uma nau frágil, à mercê dos humores financeiros de além-mar, com uma credibilidade tão robusta quanto um castelo de cartas erguido durante um vendaval.
Assistimos, assim, à morte lenta — por asfixia e vergonha — da democracia de um país. Onde o setor político mimetiza o desastrado Exército de Brancaleone, tropeçando nas próprias pernas, e o povo, órfão e atônito, segue sem quem cuide de seus reais e urgentes interesses.
Requiescat in pace.