
Outro dia, em uma daquelas conversas que começam com o tempo e terminam com o destino do mundo, um amigo deixou escapar uma frase que se alojou em minha mente. Dizia ele, com um suspiro que valia por um tratado: “Nós ainda estamos deitados em berço esplêndido, esperando que o futuro nos seja servido na bandeja.”
A reflexão veio a galope quando o assunto resvalou para a tecnologia. É inevitável não pensar em nações como Japão, China, Índia e Coreia do Sul. Visitar um desses lugares é uma experiência quase desconcertante. Não se trata apenas dos trens que flutuam ou das cidades que piscam como galáxias. É a sensação sutil, mas profunda, de que você não viajou no espaço, mas no tempo. Desembarca-se ali com a nítida impressão de ter pulado algumas décadas no calendário da civilização.
É um futuro que não brotou do acaso. Ele foi semeado, regado e cultivado com uma paciência de monge e uma disciplina de um samurai, por décadas a fio. O adubo principal, o segredo daquela colheita exuberante, é de uma simplicidade que chega a ser insultuosa: a reverência quase sagrada pelo ensino. Um projeto de nação, não de governo.
Dirão alguns, com uma ponta de orgulho legítimo, que não estamos parados. Apontarão para as escolas de tempo integral, para os programas de incentivo, para os esforços que, sem dúvida, são feitos. E são gestos válidos, passos em uma longa jornada. Mas, e aqui reside a angústia da matemática, quando se coloca nosso passo ao lado da maratona que os outros correm há cinquenta anos, nossa louvável iniciativa adquire as dimensões de um grão de areia numa praia infinita.
O diferencial não está no método, mas na profundidade da aposta. Lá, a estratégia, que já dura gerações, foi a de transformar a sala de aula no lugar mais importante do país. Começa pela valorização quase mítica do mestre, que não é visto como um funcionário, mas como um arquiteto do amanhã. Exige-se dele o topo: mestrados, doutorados, uma erudição que transborda. Em troca, oferece-se a ele a dignidade para que sua única preocupação seja a sublime tarefa de transmitir o conhecimento. Uma transmissão pura do saber acadêmico, despida de proselitismos, focada naquilo que é sua essência: forjar mentes capazes de pensar, não de repetir. Lá, entende-se que a nobreza da cátedra está em entregar as ferramentas, e não o mapa do tesouro já preenchido. O mestre ensina o aluno a pensar, a calcular, a questionar com método, ciente de que a cidadania plena nasce do conhecimento sólido, e não o contrário. É uma ordem de prioridades que talvez tenhamos, distraidamente, invertido.
Eles entenderam, há muito tempo, que não se constrói um arranha-céu de inovação sobre um alicerce de conhecimento básico. A aposta foi pesada, obsessiva, em ciências, em idiomas e, sobretudo, naquela senhora implacável e honesta que é a Matemática.
Enquanto isso, nós, por aqui, seguimos acreditando em soluções mais… tropicais. Confiamos no lampejo, no talento inato, na criatividade que brota do caos. E ela brota, sem dúvida. Somos um povo de uma genialidade espantosa. Mas o talento sem método é como um rio sem margens: poderoso, mas difuso, que muitas vezes se perde antes de chegar ao mar.
A questão, portanto, não é desmerecer o que fazemos, mas entender a escala do que precisa ser feito. Ou levamos o futuro a sério, com o investimento pesado e a continuidade que a empreitada exige, ou corremos o risco de desempenhar um papel melancólico no grande teatro do século XXI. O risco de nos tornarmos os talentosos fornecedores de commodities, os administradores da colheita que outros planejaram com suas equações.
Aquele berço, afinal, é esplêndido. A pergunta que não quer calar é se ele não se tornou, perigosamente, confortável demais.