A receita da Estância Balneária de Ilhabela, no litoral de São Paulo, estava vindo abaixo do projetado por meses consecutivos neste ano, impactada por menos recursos de royalties de petróleo. A solução foi sacar 20% do quase R$ 1 bilhão que estava no fundo soberano da cidade com o objetivo de manter os serviços municipais. Esse é um exemplo de como os fundos soberanos estaduais e municipais podem funcionar no Brasil.
O país já tem seis fundos soberanos subnacionais com funções variadas e, juntos, administram R$ 9,6 bilhões em ativos. Em muitos casos, os fundos são para equacionar questões fiscais, em outros, servem para promover investimentos locais, inclusive focados na transição verde.
No caso de Ilhabela, a legislação permite o uso de recursos apenas quando há queda de arrecadação com royalties ou em casos de catástrofes naturais. Os saques precisam ser aprovados pelo Conselho Municipal de Acompanhamento de Aplicação dos Royalties (Confiro), que tem participação da prefeitura e da sociedade civil.
Do lado dos investimentos, o presidente do Confiro, Fernando Crésio, explica que as aplicações são “moderadas”, principalmente em CDBs e títulos públicos. Os recursos estão divididos em contas do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal e a cidade recebe técnicos das instituições financeiras trimestralmente para assessorar os investimentos.
“A gente pede para o banco: ‘olha, traz e uma filipeta de investimentos moderados que estão melhores do que esses que vocês me liberam anteriormente’. Se ele tiver alguma novidade, o fundo se reúne, a gente registra em ata e muda de aplicação. Se o banco falar que não tem nada melhor, a gente mantém nessas aplicações mesmo”, explica Crésio.
Os outros fundos em operação no Brasil são de Niterói (R$ 1,4 bilhão) e Maricá (R$ 2 bilhões) no Rio de Janeiro, Curitiba (R$ 190 milhões), além do Espírito Santo (R$ 2,2 bilhões) e do Estado do Rio de Janeiro (R$ 3 bilhões). No caso de Niterói, os recursos são voltados para estabilizar receitas e têm uma política de investimentos definida como “conservadora” pela própria administração municipal.
Em Maricá, existe o objetivo de garantir sustentabilidade fiscal, mas também de financiar investimentos para preparar a cidade para o “cenário pós-royalties do petróleo”, como descrito pela prefeitura. O do Estado do Rio tem entre os objetivos a garantia da sustentabilidade fiscal e o financiamento do desenvolvimento.
O de Curitiba é o único que não está relacionado aos royalties de petróleo, já que a capital paranaense reserva recursos de superávits fiscais e pode ser utilizadas em casos específicos de desequilíbrio fiscal, crise econômica e calamidades públicas, informou a secretaria de Planejamento, Finanças e Orçamento da cidade.
Leandro Ferreira, diretor de estratégia e comunicação do Fórum de Fundos Soberanos Brasileiros (FFSB), defende a necessidade de regulamentação dos fundos subnacionais pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). “Isso seria um impulsionador das atividades desses fundos existentes, da possibilidade de novos e da definição do papel de estruturas que poderiam auxiliar o desenvolvimento desses fundos”, disse Ferreira, destacando o ganho em segurança jurídica e institucional.
A lei que criou as Letras de Crédito de Desenvolvimento (LCDs) publicada em 2024 também previu a criação dos fundos nacionais e definiu que as legislações locais deverão dispor sobre a governança, a sistemática de aportes e retiradas e os mecanismos de avaliação, monitoramento e transparência dos fundos. A lei também estabeleceu que o CMN poderá regulamentar esses fundos.
O Ministério da Fazenda diz que o tema é complexo e parte de uma decisão de cada governo subnacional. Por isso, qualquer iniciativa de regulamentação do CMN deve ser avaliada “com cautela” e demanda discussão com “ampla” participação dos Estados e municípios. “Como não há lacuna normativa que impeça a criação desses fundos no âmbito das competências próprias de cada ente, ainda não há decisão governamental sobre a regulamentação do tema pelo CMN”, diz em nota.
No caso do Espírito Santo, o Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes) é responsável por promover o desenvolvimento econômico sustentável. Seu diretor-presidente, Marcelo Barbosa Saintive, disse que não tem uma avaliação se uma regulamentação pelo CMN seria positiva. Também afirma que a dinâmica depende de como cada Estado ou município lida com as questões que afetam sua economia.
Além da função de criar uma poupança geracional e proteger a economia contra flutuações do preço do petróleo, o Fundo Soberano do Estado do Espírito Santo (Funses) também deve promover o desenvolvimento econômico do Estado, segundo a legislação. Para isso, já existem três produtos. O Funses 1 é voltado para investimentos em startups e empresas de base tecnológica, com R$ 77,2 milhões em financiamentos aprovados até o momento. O Funses ESG Debêntures é voltado para o desenvolvimento regional seguindo princípios ambientais, sociais e de governança (ESG) e funciona por meio da compra de debêntures. Seis projetos foram aprovados, com R$ 248,7 milhões investidos.
O Estado ainda está desenvolvendo o Fundo de Descarbonização para financiar empresas e projetos que descarbonizem a economia do estado. O fundo segue uma estratégia de blended finance (financiamento misto), em que o capital público deve destinar R$ 500 milhões com a expectativa que cotistas privados também aportem recursos no Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC).
Saintive, do Bandes, disse que o caso do Fundo de Descarbonização será levado pelo Estado para discussão na COP30. “O blended finance, uma espécie de capital híbrido, é muito falado e pouco implementado. Pela primeira vez, a gente vai mostrar que é possível você juntar capital público e privado com taxas de retorno diferentes, porque cabe a cada um assumir riscos diferentes”, diz.
O diretor de projetos especiais e sustentabilidade do FFSB, Fernando Teixeira, destacou que os investimentos sustentáveis não estão na origem da criação desses fundos brasileiros, mas é natural que o tema apareça como uma oportunidade e inclusive possa atrair interesse externo. “Pensando que os nossos fundos podem ser catalisadores de investimentos de fundos soberanos globais, seria muito interessante que eles também criassem seus próprios ‘frameworks’ (arcabouços)”, disse.
Além dos que já existem, o FFSB mapeou quatro cidades e dois Estados que estudam ou estão em processo de criação de fundos: Congonhas (MG), Conceição do Mato Dentro (MG), Itabira (MG), Saquarema (RJ), Paraná e Amapá. No caso do Paraná, o Estado fechou uma parceria estratégica com a gestora BlackRock, que deve dar apoio a criação do Fundo Estratégico do Paraná (FEPR). O governo estadual ainda deve enviar um projeto de lei para a Assembleia Legislativa. A estrutura do fundo prevê o desenvolvimento socioeconômico, a sustentabilidade fiscal e o enfrentamento de desastres como os três pilares principais.
A prefeitura de Saquarema (RJ) está formalizando o fundo, que terá um objetivo semelhante ao de outras cidades que têm parte significativa das suas receitas vindas dos royalties de petróleo: mitigar volatilidade de receitas, fortalecer o desenvolvimento local e diversificar as fontes de recursos para além da exploração do setor de petróleo e gás.