O governo do presidente Donald Trump, do EUA, não poderia expatriar uma cidadã norte-americana como fez com a criança filha de brasileiros que chegou nesta sexta-feira (21) a Fortaleza, junto a outros 93 deportados. A decisão contraria a própria constituição estadunidense.
Segundo o defensor regional de direitos humanos da Defensoria Pública da União (DPU) no Ceará, Edilson Santana Filho, a menina “não se cadastrou no Consulado, portanto ela é americana, e acabou ingressando com visto de turista. Isso quer dizer que os Estados Unidos deportaram uma americana para o nosso País”, destacou.
A questão tem implicações jurídicas preocupantes e precisa ser resolvida pela diplomacia entre os países, afirma.
14ª emenda
A 14ª Emenda da Constituição dos EUA afirma que toda pessoa nascida em solo norte-americano tem a nacionalidade daquele país. É o que no Direito se chama de jus solis, ou seja, o direito de ser um nacional do país onde se nasce. No Brasil, esse princípio também é válido, exceto se os pais procurarem um consulado da nação de origem para registrar a criança como brasileira nata.
“Logo, a criança não poderia ter sido deportada dos EUA exatamente por ter a nacionalidade norte-americana, com fundamento na norma de acordo com a qual o nacional tem o direito a estar no território do país cuja nacionalidade possui”, ressalta o professor de Direito Internacional Paulo Henrique Portela. “Cabe destacar que o fato de a pessoa ter outra nacionalidade não influencia essa regra”, acrescenta.
Donald Trump já havia assinado uma ordem executiva para acabar com esse direito, mas ela foi suspensa pela Justiça norte-americana no final de janeiro. “Aparentemente o governo Trump vem entendendo que o fato de uma criança que nasceu em território norte-americano ser filha(o) de imigrantes ilegais viciaria a aquisição da nacionalidade dos EUA e a tornaria nula. Entretanto, é importante ressaltar que a própria Justiça norte-americana negou liminarmente pedido do Governo norte-americano de afastar a proteção da 14ª Emenda também em benefício de filhas e filhos de imigrantes ilegais”, destaca.
Portela afirma não haver nenhum tratado internacional de maior relevância que trate da proibição de deportação de um cidadão do próprio país. Contudo, há uma “regra costumeira, decorrente da proteção à qual o nacional tem direito por parte do país cuja nacionalidade possui e que lhe confere o direito de entrar e permanecer no território do país cuja nacionalidade possua”.
É por isso, por exemplo, que um nacional não apenas não pode ser deportado, como tampouco pode ser expulso do país. As possibilidades de extradição do nacional são também muito restritas”
Para legalizar esse procedimento, Trump poderia propor uma alteração constitucional. Entretanto, a medida deverá encontrar resistência. “Imagino que o processo de emenda da Constituição seria complexo e recheado de polêmica, razão pela qual não acredito na viabilidade de referida mudança ao menos neste momento”, diz o professor.
Legenda:
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Esse é o terceiro voo com brasileiros que voltam ao País desde o início da nova gestão de Donald Trump à frente da Casa Branca e o segundo a chegar em Fortaleza
Kid Junior
Apesar da irregularidade, EUA não deve sofrer sanções
Paulo Henrique Portela não acredita que os EUA possam sofrer alguma sanção por órgãos internacionais, “visto que não reconhecem, por exemplo, a jurisdição da Corte Internacional de Justiça e da Corte Interamericana de Direitos Humanos”.
“Ao mesmo tempo, os EUA não podem ser processados por tribunais de outros países em matéria migratória por terem, assim como todos os outros países, imunidade de jurisdição diante dos Judiciários estrangeiros em atos típicos de Estados soberanos, como o controle das respectivas fronteiras”.
No entanto, Portela lembra que “os EUA poderiam ser processados em tribunais norte-americanos, o que poderia levar a sanções contra aquele país e contra as autoridades envolvidas”, conclui.