O presidente dos EUA, Donald Trump, disse na segunda-feira (5) que pode usar a Lei de Insurreição, uma legislação que autoriza o presidente a mobilizar forças militares em solo americano, caso os tribunais e governadores continuem bloqueando o envio da Guarda Nacional para cidades governadas por democratas.
Veja o que você precisa saber sobre essa lei com séculos de existência.
O que é a Lei de Insurreição?
A Lei de Insurreição é uma lei federal que dá ao presidente dos EUA o poder de mobilizar o Exército ou federalizar tropas da Guarda Nacional dentro do país para conter levantes internos.
A legislação é comumente chamada de Lei de Insurreição de 1807 porque foi nesse ano que o presidente Thomas Jefferson a sancionou. No entanto, a versão moderna da lei é, na verdade, uma junção de diferentes estatutos aprovados entre 1792 e 1871, que definem o papel das forças militares dos EUA na aplicação da lei dentro do território nacional.
A lei permite que as tropas participem de atividades de aplicação da lei doméstica, como efetuar prisões e realizar buscas, funções que normalmente lhes são proibidas.
A Lei de Insurreição pode ser invocada quando há “obstruções ilegais, associações ou aglomerações ou rebelião” contra a autoridade do governo dos EUA. Quando o presidente considera que essas condições foram atendidas, a lei lhe concede o poder de usar as forças armadas para “fazer cumprir as leis ou suprimir a rebelião”.
Quando Trump enviou a Guarda Nacional para Los Angeles e outras cidades há alguns meses, ele usou uma outra base legal: a Seção 12406 do Título 10 do Código dos EUA, que permite ao presidente incorporar a Guarda Nacional ao serviço federal.
Diferente da Lei de Insurreição, a Seção 12406 proíbe a Guarda Nacional de realizar atividades de policiamento civil. Isso significa que eles podem proteger agentes federais e propriedades, mas não estão autorizados a fazer prisões.
Por que a Lei de Insurreição é tão polêmica?
Há uma longa tradição nos Estados Unidos de manter as forças armadas federais afastadas dos assuntos civis.
Os fundadores do país, tendo testemunhado abusos por parte do Exército britânico durante o período colonial, temiam que dar ao presidente controle ilimitado sobre as tropas comprometeria as liberdades civis e o processo democrático, segundo estudiosos da Constituição.
Pela Constituição dos EUA, os governadores geralmente têm autoridade para manter a ordem dentro das fronteiras de seus estados.
Esses princípios estão incorporados na Lei Posse Comitatus, uma lei de 1878 que, em geral, proíbe o uso das forças armadas em atividades de policiamento civil. A Lei de Insurreição funciona como uma exceção legal à Posse Comitatus.
Grupos de direitos civis há muito tempo alertam que a Lei de Insurreição dá ao presidente uma autoridade ampla para usar o Exército como uma força policial doméstica de forma contrária à intenção original dos fundadores dos EUA.
O que Trump diz sobre a Lei da Insurreição?
Trump disse a repórteres no Salão Oval, na segunda-feira, que até agora não foi necessário invocar a Lei de Insurreição, mas que consideraria fazê-lo.
“Temos uma Lei de Insurreição por um motivo”, disse Trump. “Se pessoas estivessem sendo mortas e os tribunais estivessem nos impedindo, ou governadores ou prefeitos estivessem nos bloqueando, com certeza, eu faria isso.”
Durante seu primeiro mandato presidencial, Trump sugeriu que usaria a Lei de Insurreição para conter os protestos após a morte de George Floyd, um homem negro desarmado morto sob custódia policial, mas acabou não utilizando a medida.
A Lei da Insurreição já foi usada anteriormente?
Sim. A Lei de Insurreição já foi invocada dezenas de vezes ao longo da história dos Estados Unidos. No entanto, desde o movimento pelos direitos civis na década de 1960, seu uso se tornou “extremamente raro”, de acordo com um relatório do Serviço de Pesquisa do Congresso.
A última vez que a Lei de Insurreição foi usada foi em 1992, quando a absolvição de quatro policiais de Los Angeles pela agressão ao motorista negro Rodney King resultou em distúrbios violentos. O então governador da Califórnia solicitou ajuda militar ao presidente George H. W. Bush para conter a violência.
Trump pode enviar tropas sem a aprovação do governador?
Sim. A lei estabelece cenários em que o presidente precisa da aprovação do governador ou da legislatura de um estado, assim como situações em que essa aprovação não é necessária.
Historicamente, nas ocasiões em que a Lei de Insurreição foi invocada, presidentes e governadores geralmente concordaram sobre a necessidade do envio de tropas.
Em 2005, o ex-presidente George W. Bush decidiu não invocar a Lei de Insurreição para enviar tropas da ativa à Louisiana após a passagem do furacão Katrina, em parte porque a então governadora do estado se opôs à medida.
Um tribunal pode impedir a aplicação da lei?
Historicamente, os tribunais têm sido muito relutantes em questionar declarações militares de um presidente, e o 9º Tribunal de Apelações dos EUA afirmou recentemente que a decisão do presidente de enviar militares merece um “alto grau de deferência”.
No entanto, alguns especialistas jurídicos argumentam que essa deferência não impede totalmente os tribunais de revisar as decisões do presidente.
Um juiz federal do Oregon decidiu recentemente contra a decisão de Trump de enviar tropas para os protestos em Portland, Oregon, com base na Seção 12406. O juiz escreveu que “um alto grau de deferência não é o mesmo que ignorar os fatos concretos”.