Tarsila do Amaral, Adriana Varejão, Beatriz Milhazes, Alfredo Volpi, Paulo Pasta, Di Cavalcante. Mesmo quem nunca pôs os pés em um museu já cruzou com obras de alguns desses nomes nos corredores do Itaú, nas paredes de agências, escritórios ou salas de reunião. O banco tem como prática espalhar parte de sua coleção nos espaços por onde circulam seus funcionários e alguns de seus clientes.
A partir da quarta-feira, 22 de outubro, uma fração desse acervo será compartilhada também com o público na exposição Brasil das Múltiplas Faces, marcando a inauguração do espaço Milú Villela, no 7º andar do Itaú Cultural, em São Paulo. Com curadoria de Agnaldo Farias, a mostra apresenta 185 obras de 150 artistas brasileiros de diferentes épocas e estilos.
“Meu papel aqui é simplesmente fazer uma leitura de uma coleção de altíssimo nível, que tem coisas que são preciosas”, diz o curador, em entrevista ao NeoFeed. “Muitas pessoas não sabem que o Itaú guarda uma coleção de primeira grandeza.”
O acervo da instituição é apontado pelo Wapping Arts Trust, Humanities Exchange e International Association of Corporate Collections of Contemporary Art como a maior coleção corporativa de arte da América Latina. Ele reúne mais de 15 mil obras modernas e contemporâneas de cerca de 800 artistas (veja algumas delas nas imagens abaixo).
A última vez que uma parte substancial desse conjunto esteve em exibição ao público foi em 2017, na mostra Modos de ver o Brasil: Itaú Cultural 30 anos, realizada na Oca, com curadoria de Paulo Herkenhoff.
Ao entrar na nova sala, de 280 metros quadrados, o visitante se depara com pinturas, desenhos, fotografias e gravuras dispostas lado a lado, do piso ao teto. Esculturas se espalham pelo chão. É preciso atenção para não tocar em nada.
Quando começou a seleção, Agnaldo ainda não sabia o tamanho do espaço que teria. O pé direito baixo, de 2,5 metros, não suporta obras de grande escala. Ao descobrir, fez o oposto do esperado: em vez de reduzir, acumulou.
Com exceção da grande tela Atlântico, de Arjan Martins, que deve ser desmontada para entrar no espaço, o curador optou por um grande número de obras de pequeno e médio formato e uma estética de excesso. “Digamos que isso aqui é um cofre de uma instituição”, resume.
Rio em movimento
Curador veterano, com passagens pela Bienal Internacional de São Paulo e pelo Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Agnaldo conhece bem o funcionamento das reservas técnicas. São como coxias silenciosas, onde o acervo aguarda sua vez de entrar em cena.
“Nesses espaços, tudo é muito condensado, muito pulsante, cheio de energia. Queria trazer essa sensação de um lugar que fica latejando, pipocando de coisas”, explica. “Você não sabe para onde olhar e, de repente, começam a surgir conexões que nem imaginava.”
Ele diz isso diante de uma pintura vibrante de Emmanuel Nassar, pendurada ao lado de uma monotipia minimalista de Mira Schendel.
Colocados tão próximos, quase sem respiro, os dois trabalhos revelam uma relação inesperada: a obsessão pela linha, pelas diagonais que cortam o espaço e se encontram no olhar do visitante.
A expografia, assinada pelo arquiteto Daniel Winnik, parte da ideia de um rio em movimento. As obras se organizam em núcleos que ecoam gêneros tradicionais das artes visuais — retratos, paisagens, abstrações — e outros de natureza mais temporal: modernismo, nova figuração, geração 80, produções recentes.
Esses afluentes se cruzam no percurso do visitante, ora de modo suave, ora formando pororocas. Encontros turbulentos que produzem ruído, mas também atenção. É o caso do conjunto de esculturas em bronze dos modernistas Bruno Giorgi, Victor Brecheret e Lasar Segall, interrompido por uma peça em aço inox de Iran do Espírito Santo, expoente da geração 80.
“Tem obras de percepção imediata, outras mais íntimas. Algumas carismáticas, outras sutis, discretas. Há peças que se impõem de longe, como a escultura de Amilcar de Castro”, ressalta Agnaldo. “Com esse mosaico, esse atulhamento de obras, a pessoa percebe que poderiam ser outros artistas expostos. Nossa arte é fértil, com matrizes muito diferentes que se contagiam mutuamente. É muito legal esse movimento.”

“O canto do Sabiá”, 2024, Denilson Baniwa (Foto: Humberto Pimentel)

“Eva nº1”, da série “Adão e Eva no Paraíso”, 2014, Rosana Paulino (Foto: Humberto Pimentel)

“Pia de Sacristia”, 1991, Adriana Varejão (Foto: Iara Venanzi)

“Objeto Cinético”, 1990-1999, Abraham Palatnik (Foto: Humberto Pimentel)

“Metaesquema”, 1957, Hélio Oiticica (Foto: Segio Guerini)

“Os Episódios – VI”, 1959, Maria Leontina (Foto: Edouard Fraipont)

“Retrato de Luís Martins I”, 1933- 1937, Tarsila do Amaral (Foto: João Luiz Musa)

Sem título, 1928, Cicero Dias (Foto: João Luiz Musa)

“Nº 4”, 1991, Arcangelo Ianelli (Foto: Sergio Guerini)

“Violeiro na Janela”, 1899, Almeida Júnior (Foto: Edouard Fraipont)

“Autorretrato – Autorretrato e Marinha [Frente e Verso]”, 1938, José Pancetti (Foto: Iara Vicenzi)

“João de Deus”, 2022, Dalton Paula (Foto: Humberto Pimentel)

“Fotoforma,” da série “Fotoformas”, 1951, Geraldo de Barros (Foto: João Luiz Musa)

“Casal do Mangue com Persiana I”, 1929, Lasar Segall (Foto: Humberto Pimentel)
Desde o fim do isolamento social da pandemia de covid-19, a sede do Itaú Cultural vem sendo adaptada para abrigar mais espaços de programação pública e exposições.
“Parte das equipes de escritório passou a ocupar outro prédio na própria Avenida Paulista. Com isso, alguns andares foram transformados em estúdios audiovisuais, salas multiuso e áreas expositivas”, explica Sofia Fan, gerente de Artes Visuais e Acervos do instituto, ao NeoFeed.
O sétimo andar, antes usado para atividades diversas — especialmente ações do educativo —, exigiu poucas mudanças para se tornar uma nova sala de exposições. “As adaptações foram pontuais: um novo sistema de iluminação e proteção nos vidros, adequações para receber obras de arte”, diz ela.
Com a inauguração do Espaço Milú Villela, o prédio de número 149 da Avenida Paulista passa a ter praticamente todos os andares dedicados à arte e à cultura brasileira.
Nos dois subsolos e no primeiro andar, está a mostra temporária Brasil de susto e sonho, individual de Rivane Neuenschwander.
No térreo e no segundo pavimento, acontecem as 68ª e 69ª edições do programa Ocupação Itaú Cultural, em homenagem a Ailton Krenak e Paulo Herkenhoff, respectivamente.
O sexto abriga a coleção de numismática Herculano Pires. Já o Espaço Olavo Setubal, no quatro e no cinco, reúne a coleção Brasiliana, com 969 itens expostos.
“A ideia é que o público comece a visita pelo espaço Milú Villela, e siga descendo”, recomenda Sofia. Um percurso vertical que permite passar o dia inteiro entre obras, nomes e histórias da cultura e arte brasileira.