O Monitor da Dívida Global 2025, divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), indicou que o Brasil está na direção oposta da maior parte dos outros países por conta da expansão de seu endividamento. O estudo constatou que a dívida global ficou ao redor de 235% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024, relativamente estável em relação a 2023. Mas, no caso do Brasil, a dívida está crescendo, tanto a pública quanto a privada, o que foi atribuído pelos autores do estudo, Vitor Gaspar, Carlos Eduardo Gonçalves e Marcos Poplawski-Ribeiro, ao aumento dos juros e da inadimplência. Os especialistas recomendam o ajuste fiscal para reduzir a dívida pública.
Como mostra o Banco de Dados de Dívida Global do FMI, que passou a ser atualizado todo setembro desde 2023, a dívida global teve uma queda significativa, de 23 pontos percentuais, em relação aos 258% do PIB atingidos no início da pandemia, em 2020, em consequência dos gastos extraordinários realizados pelos países para enfrentar a covid-19 e apoiar a economia e sua população. Mas o mundo ainda não voltou ao patamar anterior, de 230% do PIB em 2019.
Depois da pandemia, a dívida pública e a privada apresentaram dinâmicas diferentes, retomando uma tendência de longo prazo em que ambas crescem. Mas a dívida pública tem ritmo mais acentuado, embora a dívida privada seja maior.
A relação entre dívida pública e PIB médio global caiu 7 pontos, de 100% em 2020 para 93%, ainda sobrecarregada pelas despesas assumidas durante a crise causada pela pandemia. No mesmo espaço de tempo, a dívida privada global recuou 16 pontos, de 159% para 143%.
As economias avançadas contribuíram mais para a redução da dívida pública, que passou de 123% no auge da pandemia para 110% em 2024 nesse grupo de países. Os Estados Unidos foram uma exceção: depois de terem atingido 132% na relação dívida pública e PIB em 2020, registraram recuo do índice em 2022 e 2023 e nova alta no ano passado, para 121%. Nos mercados emergentes e economias em desenvolvimento, incluindo a China, a relação chegou a 64% na pandemia, e subiu para 69% do PIB em 2024.
No caso da dívida privada global, a redução também foi impulsionada pelas economias avançadas, onde a média dos débitos privados recuou de 180% para 157%, quase 10 pontos do PIB abaixo do patamar de 2019. Nas economias emergentes e em desenvolvimento, porém, ele aumentou ligeiramente, de 120% para 122% do PIB, 8 pontos acima do patamar anterior à covid-19. Como mostram os dados do FMI, a China e o Brasil tiveram participação relevante nisso.
Tanto a dívida pública quanto a privada chinesa nunca caíram nesse espaço de tempo. A pública aumentou 18 pontos percentuais, saindo de 69% em 2020 e atingindo 88% do PIB em 2024. Desde 2020, a dívida privada chinesa disparou 10 pontos percentuais, de 196% para 206% do PIB. O endividamento das empresas chinesas não financeiras impulsionou os números. Apesar da contínua fraqueza no setor imobiliário, esse aumento reflete a política pública de oferta ampla de crédito, em especial para apoiar setores estratégicos. Já a dívida das famílias recuou levemente.
No caso do Brasil a tendência é também de aumento tanto do endividamento privado quanto do público, e, para os especialistas do FMI, isso tem a ver com os juros altos, que aumentam os custos das empresas e ainda pressionam o déficit público, também elevado pelos gastos excessivos.
A dívida pública brasileira saltou quase dez pontos na pandemia, segundo os cálculos do FMI, de 87% em 2019 para 96% em 2020, para recuar nos anos seguintes, ao redor de 84% em 2022 e 2023, e voltar a subir para 87% em 2024. A dívida privada subiu quase dez pontos na pandemia, de 77% em 2019 para 86% do PIB em 2020, manteve esse patamar nos anos seguintes para avançar de novo em 2024, para 93,5% do PIB. Nesse caso, o aumento da inadimplência teve igualmente influência, para o Fundo, além do prazo curto das operações.
Já se podem esperar novos aumentos nos índices referentes ao Brasil nos próximos levantamentos do FMI, uma vez que os juros continuaram em alta. Depois de terminar 2024 em 12,25%, a taxa básica chegou a 15% ao ano em junho, patamar onde está e provavelmente deve ficar até o fim do ano, dado que o governo não atua para cortar gastos, lança com frequência mais estímulos, e a inflação segue pressionada. A vantagem da China é que sua taxa básica de juros é bem menor do que a brasileira. O BC chinês manteve ontem a taxa básica do juro de um ano em 3%.
As recomendações dos autores do estudo do FMI caem como uma luva para o Brasil. Para eles, as políticas públicas podem ajudar a administrar as tendências da dívida pública e privada. Os governos devem priorizar ajustes fiscais graduais, dentro de um plano de médio prazo crível para reduzir a dívida pública, ao mesmo tempo em que ajudam a evitar o efeito de “crowding out” (quando o gasto estatal afeta o investimento e o endividamento das empresas privadas). E devem fomentar um ambiente que impulsione o crescimento e reduza a incerteza, o que ajudará a promover a queda da dívida pública e a incentivar o investimento do setor privado.