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MEMÓRIA: Sergio Bermudes, o advogado que ajudou a derrubar a ditadura

MEMÓRIA: Sergio Bermudes, o advogado que ajudou a derrubar a ditadura


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Em artigo para o NeoFeed, o advogado Samuel Mac Dowell de Figueiredo lembra a amizade e a parceria profissional com Sergio Bermudes. O advogado capixaba morreu na segunda-feira, 27 de outubro, aos 79 anos, vítima de complicações da covid-19.

Tido como um dos advogados mais brilhantes do país, Bermudes teve papel fundamental na luta por direitos humanos durante a ditadura militar brasileira, sendo um dos responsáveis, junto com Mac Dowell e Marco Antonio Rodrigues Barbosa, pela ação que levou o Estado a reconhecer oficialmente a responsabilidade pela tortura e assassinato do jornalista Vladimir Herzog e do metalúrgico Manoel Fiel Filho.

Bermudes fundou, em 1969, um dos principais escritórios de advocacia contenciosa do país, com atuação destacada em grandes casos e clientes corporativos. Notabilizou-se como professor e processualista, contribuindo para a formação de várias gerações de advogados e para o fortalecimento da advocacia como instrumento de defesa das garantias constitucionais frente ao Estado.

* Resumo gerado por inteligência artificial e revisado pelos jornalistas do NeoFeed

Segunda-feira, 27 de outubro de 2025 — a data de morte do advogado capixaba Sergio Bermudes, aos 79 anos, é uma daquelas coincidências cercadas de simbolismos. Exatos 47 anos antes, a Justiça condenou a União a indenizar Clarice Herzog pelo assassinato de seu marido. O jornalista Vladimir Herzog não cometera suicídio, como queria fazer crer o regime militar. Ele foi preso ilegalmente, torturado e morto nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo.

Pela primeira vez, o Estado reconhecia que o Estado torturava. E, como representantes da viúva, Bermudes e os colegas Samuel Mac Dowell de Figueiredo e Marco Antonio Rodrigues Barbosa marcaram a história da luta por direitos humanos e democracia no Brasil.

Nascido em Cachoeiro de Itapemirim, ao longo de mais de 50 anos de carreira, Bermudes se tornou uma das vozes mais influentes da advocacia brasileira. Em 1969, fundou o Sergio Bermudes Advogados — “um dos principais escritórios de advocacia contenciosa do país”, como define Mac Dowell, em artigo para o NeoFeed

Com sedes no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, tem entre seus clientes empresas como Vale, Bradesco, Citibank e Ambev.

Tido como brilhante por seus pares, Bermudes foi professor e escritor. “Nada dava a ele mais prazer do que ensinar (…) Ele contribuiu para a formação de várias gerações de advogados”, lê-se na nota de pesar dos colegas de escritório.

Leia a seguir a íntegra da homenagem de Mac Dowell ao amigo.

Em 1970, Sergio Bermudes estava à frente da organização do Congresso Interamericano de Direito Comparado, patrocinado pelo Consulado Americano do Rio de Janeiro, realizado com representantes de diversas faculdades de Direito do país.

Eu e Marco Antônio Rodrigues Barbosa representávamos a Faculdade do Largo de São Francisco e, assim, conhecemos Sergio, que em 1969 havia se associado ao amigo Luiz Bernardo da Rocha Gomide em seu primeiro escritório de advocacia.

Nasceu e se consolidou, então, a sólida amizade e ligação que perdurarão enquanto mantivermos viva a memória uns dos outros.

Naquele mesmo ano, constituímos formalmente nossa primeira sociedade de advogados, com os quatro sócios atuando entre Rio e São Paulo. Nossa união como grupo de advogados surgiu da identificação pessoal e das ambições profissionais que nos moviam, mas foi na liderança de Sergio que ela encontrou seu vigor e se tornou, por outro lado, o espaço em que ele desenvolveu os fundamentos que moldariam sua personalidade e definiriam sua razão de ser.

Afirmo isto refletindo sobre o seu talento para a advocacia e suas atuações como professor e processualista, como também sobre a imensidão da sua cultura, a riqueza da sua vida interior e a complexidade da sua pessoa.

Sobre a base do seu comando é que se abriam os largos limites para o futuro que almejávamos. Tudo isso aconteceu há 55 anos, quando o país atravessava o período mais violento da ditadura militar instaurada pelo golpe de 1964.

O silêncio imposto aos exilados, as perseguições, os desaparecimentos e os assassinatos de opositores representavam uma política de Estado traiçoeira, covarde e destruidora dos princípios da nação.

Nos anos 1970, a sociedade brasileira passava a compreender melhor os motivos dos revoltados, mesmo que rotulados como terroristas por uma imprensa submetida ao controle policial do regime. Intelectuais, escritores, cineastas, compositores, profissionais liberais e jornalistas se organizavam em oposição ao regime e às denúncias dos seus crimes.

“Sergio teve atuação emblemática na formulação jurídica e na arquitetura processual da ação no caso Herzog”

Os assassinatos de Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho nos porões da ditadura, entre 1975 e 1976, catalisaram, pelos fatos que se seguiram, o fim do regime — já então em seus estertores e que cairia mesmo que não tivesse produzido aquelas duas vítimas, entre tantas outras.

Nesse contexto, fomos conduzidos ao que consideramos os mais importantes trabalhos de nossas carreiras: os casos Herzog e Fiel Filho. Recebemos e aceitamos a incumbência de processar o regime militar perante o Judiciário.

Isto aconteceu porque Sergio foi indicado por Heleno Fragoso a Clarice Herzog, viúva de Vladimir, enquanto José Carlos Dias dirigiu sua indicação a Marco Antônio. Ambos os criminalistas entendiam que a responsabilização da União seria mais viável por meio de ação cível, não criminal — e tampouco perante a Justiça Militar.

Dessa coincidência de indicações nasceu o vínculo de Sergio e Marco Antônio com os casos Herzog e Fiel Filho. Mais jovem, os acompanhei.

As ações foram julgadas pelas sentenças históricas e definitivas dos juízes Márcio José de Moraes, no caso Herzog, e Jorge Flaquer Scartezzini, no caso Fiel Filho, ambas declarando a responsabilidade da União por aquelas prisões ilegais, torturas e assassinatos.

Sergio teve atuação emblemática na formulação jurídica e na arquitetura processual da primeira ação. Sua base teórica como processualista, aliada ao talento e, cabe dizer, instinto, nos deu as ferramentas para enfrentar os desafios de uma ação meramente declaratória, a do caso Herzog, e vencê-la.

Embora se trate de uma tecnicalidade processual de pouco interesse para o público, deve ser dito que encurtou o caminho para o fim do governo mais violento da história do país.

Ao contrário do que alguns pensam, o Estado, no sistema de pesos e contrapesos da República, cuja eficácia foi garantida pela ação dos juízes, deu a resposta adequada às demandas por meio das duas sentenças judiciais, mesmo que nos limites da ação cível e sem a identificação e punição dos agentes individualmente responsáveis pelos atos da União e seu governo.

O tempo e suas circunstâncias determinaram, em algum momento, que separássemos nossas trajetórias e escritórios enquanto sociedades formalmente constituídas. Sergio seguiu com o Bermudes Advogados, que fundou no Rio; nós, como nosso escritório em São Paulo, e, por dois anos, abrigamos em nosso espaço na avenida Paulista o escritório que ele decidiu constituir aqui.

Com os notáveis sócios que o acompanharam, fez com que o Bermudes Advogados se tornasse, como é até hoje, um dos principais escritórios de advocacia contenciosa do país.

Desse tempo, permanecem memórias indeléveis, ligadas à trajetória de Sergio e sua afirmação da advocacia como instrumento essencial das garantias e proteções relacionadas à ação do Estado.

Samuel Mac Dowell de Figueiredo é sócio e fundador de Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian – Advogados



Ceará Agora e Diário do Nordeste

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