O ex-presidente da Eletrobras José Luiz Alquéres avalia que a decisão de mudar o nome da companhia para Axia Energia simboliza a transição definitiva da empresa como um instrumento de política de desenvolvimento nacional para uma corporação orientada pelo mercado, num processo que, segundo ele, tende a relegar o legado estatal a um segundo plano.
Para ele, a mudança da marca representa o esforço dos novos acionistas de desvincular a empresa de seu passado — apagando parte de um legado técnico e desenvolvimentista — para reconstruir sua imagem sob a lógica dos acionistas privados.
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Engenheiro com longa trajetória no setor elétrico, Alquéres presidiu a Eletrobras entre 1993 e 1994 e foi por três vezes membro do conselho de administração, duas delas como presidente. Também teve passagens por Itaipu Binacional, Cemig e EDP, entre outras empresas, além de atuar como vice-presidente honorário do World Energy Council e conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).
Para o ex-presidente, os novos donos tentam capitalizar sobre o prestígio construído durante décadas de gestão pública, tentando transmitir a ideia de que foram eles os responsáveis pela criação dessa grande companhia — que possui 44,4 gigawatts (GW) de capacidade instalada, equivalentes a 22% da capacidade nacional — ao mesmo tempo que procuram se desassociar do imaginário estatal.
“Os acionistas privados vão surfar em cima das realizações do passado estatal”, afirmou Alquéres, em entrevista ao Valor. “Fica para o período estatal a memória depreciativa de uma empresa ineficiente e de muitos empregados. Mas essa empresa do passado foi fundamental para o desenvolvimento do Brasil.”
Ele recorda que a origem da Eletrobras está ligada à visão de Estado formulada na era Vargas, quando o nome da empresa surgiu pela primeira vez na carta-testamento de Getúlio Vargas, evocada como símbolo de um projeto de soberania nacional.
Instituída oficialmente em 1962, no governo de João Goulart, a companhia consolidou-se nas décadas seguintes como um dos eixos do modelo de desenvolvimento brasileiro, ampliado durante o regime militar com a expansão da infraestrutura e da integração energética do país.
“O nome Eletrobras deve ser guardado na memória de que o Brasil foi capaz desta grande conquista”, disse, destacando que o papel da companhia era promover o desenvolvimento brasileiro e a redução das desigualdades regionais. “Em mãos privadas, o papel da nova empresa é atender os acionistas.”
A atual gestão da Eletrobras (agora Axia Energia) disse em coletiva de imprensa que a mudança da marca está associada à abertura do mercado livre de energia e ao esforço da companhia em se aproximar dos consumidores.
Questionado por jornalistas, o atual presidente da Axia Energia, Ivan Monteiro, afirmou que a companhia não pretende apagar o passado estatal da antiga Eletrobras. Segundo ele, a transformação em empresa privada e a adoção de uma nova marca não significam o abandono da história, mas, sim, uma adaptação ao novo ambiente competitivo do setor elétrico.
Especulação e amadorismo
Alquéres reconhece que a privatização mudou a natureza da companhia, que passa a atuar em segmentos de comercialização de energia. Contudo, ele critica o que considera um movimento de especulação e amadorismo crescente no setor.
“Com a privatização, a empresa entra em atividades de comercialização, que envolvem um risco muito maior do que investir em ativos de geração”, disse. “Isso permite que o passado não se misture a esse ambiente especulativo e amadorístico que está prevalecendo no setor”, acrescenta.
Aos 82 anos, Alquéres afirmou sentir orgulho de ter presidido a companhia. Ele lembrou ainda que outras empresas do setor também passaram por privatizações sem abandonar sua identidade histórica.
“Os chineses compraram a CPFL, mas mantiveram o nome. A Light, que nem é uma palavra em português, tem 120 anos. Veja se algum funcionário ou acionista quer mudar o nome da companhia”, questionou.