Brasília – Um plano delicado e traçado por empresários brasileiros ainda em silêncio até o início desta semana começa a ganhar corpo com o acirramento da guerra tarifária entre os Estados Unidos e a China.
Trata-se da criação de barreiras governamentais contra a invasão de produtos chineses no Brasil, um efeito colateral inevitável a partir do escoamento do volume de mercadorias do país asiático para a América Latina.
Como contra-ataque – ou pelo menos uma defesa mais estratégica -, empresários começam a discutir um projeto curiosamente emulado dos Estados Unidos, de Donald Trump: a “seção 232” da Lei de Comércio norte-americana.
O trecho permite que o governo dos EUA investigue e adote medidas relacionadas à segurança nacional todas as vezes que as importações de determinados produtos ameacem a indústria nacional.
Integrantes do governo Lula evitam falar abertamente sobre a medida, mas o NeoFeed apurou que os ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) e das Relações Exteriores sabem da inoperância da legislação brasileira para conter uma invasão de produtos chineses depois do “bloqueio” tarifário imposto por Trump, ao mesmo tempo que têm conhecimento que o avanço da China por mercados alternativos virá, mais cedo ou mais tarde.
O problema é que sem ferramentas próprias, determinados setores da indústria podem derreter antes mesmo de o governo conseguir movimentar as peças para defender a cadeia de produção brasileira. O primeiro exemplo da fragilidade legislativa está na própria Lei da Reciprocidade aprovada e festejada por ter recebido o apoio do governo e da oposição. A regra permite contramedidas e aumento de percentuais tarifários.
Efeito tardio
A lei, porém, é vista por empresários e por negociadores brasileiros como uma reação com efeito retardado ao impor novos tributos sobre bens e serviços e suspendendo concessões ligadas à propriedade intelectual.
A regra foi aprovada em regime de urgência depois das ameaças de Trump, mas não seria eficaz na guerra de guerrilha do comércio internacional, pois demandaria tempo para uma ação mais eficaz. Sem contar que a China tem mais musculatura para “engolir” eventual aumento de tarifa.
A busca por uma solução a partir do Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (GECEX) também é vista como inviável para os gestores brasileiros. O grupo é formado por 11 ministérios, com tempo de reação também considerado tardio por causa das tratativas para um consenso.
A média para se produzir uma solução no GECEX é de seis meses, segundo dados compilados pelo setor industrial. Uma terceira alternativa, a busca pela arbitragem na Organização Mundial do Comércio (OMC), foi implodida pelos próprios EUA com o enfraquecimento do organismo internacional.
A “Seção 232” pode ser usada quando há suspeitas ou evidências de que as importações de determinados bens possam comprometer a segurança nacional dos EUA. Essas investigações podem ser iniciadas pelo Departamento de Comércio, que realiza estudos e análises sobre o impacto das importações.
As justificativas para o uso incluem preocupações de segurança nacional, como a defesa, a produção de armas, a infraestrutura crítica ou a soberania econômica. A justificativa principal é que certas importações podem enfraquecer a capacidade de defesa ou segurança do país.
“É fundamental que o Brasil tenha uma legislação específica que permita ao governo aplicar medidas de proteção à segurança nacional, além das ações de defesa comercial tradicionais. Atualmente, muitas das nossas ações se limitam a aplicar tarifas antidumping ou quotas, que são importantes, mas insuficientes para garantir a integridade e a soberania”, diz Leandro Barcelos, diretor do Instituto Brasileiro de Comércio e Investimentos (IBCI), que representa dos setores de pneus, papel, celulose, aço e alumínio, açúcar, etanol e soja.
Defesa comercial
Das 82 medidas de defesa comercial – antidumping e compromisso de preço – tomadas pelo governo federal atualmente em vigor, 49 são contra a China, um número quatro vezes maior do que as usadas contra os EUA, que somam apenas 11. Os dados são do MDIC.
Os produtos em disputa vão de pneus e siderúrgicos, passando por calçados, espelhos, filtros, ventiladores, seringas, nebulizadores, lápis, vidros, canetas e alho. Empresários desses setores, portanto, poderiam ter uma proteção em alguma medida com a replicação da “Seção 232”.
O vice-presidente e ministro do MDIC, Geraldo Alckmin, conversou por telefone com a autoridade de comércio da China, Wang Wentao em 11 de abril. Em nota, o MDIC informou que os dois trataram de temas de cooperação econômica, tratando de oportunidades de trabalho, logo depois das tarifas impostas por Trump.
Na tarde da quarta-feira, 16 de abril, questionado sobre a guerra tarifária com os EUA e a uma eventual invasão de produtos chineses no Brasil, Alckmin citou a aprovação e sanção da Lei de Reciprocidade e disse que o país busca o diálogo para a solução de conflitos.
Alckmin, entretanto, deixou claro que o governo brasileiro está fazendo um monitoramento sobre o que ele chamou de “picos de importação”.
“Vamos ter muita oportunidade do comércio exterior para conquistar novos mercados. Agora, pico de importação vai ser monitorado com rigor”, sem entrar em mais detalhes sobre eventuais medidas que estão sendo discutidas pelo governo para além da Lei de Reciprocidade e das decisões eventuais da GECEX.