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O Novo PAC vive contradição de gigantismo, lentidão das obras e pouca visibilidade

O Novo PAC vive contradição de gigantismo, lentidão das obras e pouca visibilidade

O novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) nasceu no início de 2023, junto com a nova gestão petista do governo federal, com o desafio de contornar dois vícios recorrentes de políticas públicas ao longo da história brasileira: metas grandiosas e orçamento elevado.

Com previsão de R$ 1,7 trilhão de investimentos até 2030, divididos entre União, setor privado, estatais, entes subnacionais e bancos de fomento, o Novo PAC prevê cerca de 23 mil obras espalhadas em nove eixos, contemplando setores como energia, indústria, transportes, saneamento, resíduos e infraestrutura social.

Uma das inovações foi a divisão de gastos dos projetos, com uma grande fatia direcionada ao setor privado (36%), por meio de concessões e parcerias público-privadas (PPPs), com um investimento total de R$ 612 bilhões. O restante vem do Orçamento Geral da União (R$ 371 bilhões), de empresas estatais (R$ 343 bilhões) e de financiamentos (R$ 362 bilhões).

Dois anos depois, o Novo PAC trouxe avanços inegáveis em relação às suas duas versões anteriores, o PAC 1 (2007-2010), do primeiro governo Lula, e o PAC 2 (2011-2016), da gestão de Dilma Rousseff – que ficaram conhecidos por vários problemas, de planejamento apressado ao legado de obras incompletas.

Numa mostra da dificuldade de gerir um megaprojeto em múltiplas frentes, a primeira obra anunciada do Novo PAC – a etapa inicial da construção da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), entre as cidades de Caetité e Ilhéus, na Bahia – foi suspensa no início do mês pela mineradora Banim com 75% do projeto concluído.

O projeto habitacional Minha Casa Minha Vida, em contrapartida, ajudou a reerguer o setor da construção civil. O programa Nova Indústria Brasil (NIB), apesar de críticas a algumas de suas diretrizes, teve participação relevante para o crescimento de 3,1% da indústria nacional em 2024.

Até projetos que ainda não saíram do papel, como o Túnel Santos-Guarujá, uma PPP com orçamento de R$ 6 bilhões, estão sendo vistos como um novo modelo a ser adotado com mais frequência, num cenário de avanços regulatórios e maior segurança jurídica para atrair o setor privado para obras públicas.

Especialistas ouvidos pelo NeoFeed elogiam melhorias de governança e execução do Novo PAC, mas criticam a excessiva centralização do programa na Casa Civil, falta de foco na priorização de obras e pouca transparência no acompanhamento de projetos.

Talvez esses problemas expliquem a invisibilidade do programa, detectada por uma pesquisa Quaest divulgada em dezembro do ano passado, apontando que 48% da população simplesmente não conhecia o Novo PAC, desenhado para ser a marca do governo.

O economista Claudio Frischtak, da consultoria Inter.B, aponta o gigantismo como um dos principais entraves do programa. Segundo ele, falta uma priorização dos projetos diante de um número tão grande de obras. “Quando tudo é prioritário, nada é prioritário”, diz Frischtak, um dos maiores especialistas em projetos de infraestrutura do País.

Em 2023, a pedido da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), a Inter.B preparou um estudo do Novo PAC, com análise do seu desenho. O trabalho incluiu os principais problemas detectados nos PACs 1 e 2, além de sugestões de melhorias quanto à governança, na definição de prioridades e na execução de projetos.

O estudo sugeriu uma divisão das responsabilidades entre a Casa Civil e o Planejamento. Frischtak aponta a hipercentralização da Casa Civil, não só do PAC, mas de muitos temas – como o projeto de criação da autoridade climática (parada há meses na pasta) e a discussão da PEC da Segurança Pública -, como um obstáculo para melhoria do programa.

O programa Minha Casa Minha Vida foi responsável por 54% dos lançamentos imobiliários no Brasil em 2024 (Foto: Agência Brasil)

Trecho da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), cuja construção foi interrompida este mês, com 75% das obras concluídas (Foto: Governo da Bahia)

Desde o início de 2023, Novo PAC entregou 2.222 novas ambulâncias do SAMU (Foto: Agência Brasil)

Fábrica beneficiada pelo programa Nova Indústria Brasil: financiamentos cruzados de R$ 400 bilhões (Foto: Agência Brasil)

“A Casa Civil abocanhou muita coisa e, na realidade, diminuiu muito o grau de eficácia em tudo o que propusemos”, diz o especialista, que aponta o fator político como outro entrave para o Novo PAC e outros programas do governo. Isso porque, segundo ele, a priorização dos projetos de obras públicas é feita muitas vezes para atender interesses políticos, sem levar em conta uma análise de custo/benefício – o que impacta no planejamento, governança e execução das obras.

“Quando vão analisar os custos, já é tarde: o processo já está cristalizado e as prioridades já estão dadas por pressões de lobbies políticos”, acrescenta, lembrando que os R$ 50 bilhões de emendas parlamentares disponíveis para obras complicaram ainda mais o planejamento do Novo PAC.

Ceticismo

Dois estudos recentes reforçam os problemas estruturais do programa. O relatório “Governança, Transparência e Participação Social no Novo PAC: desafios e oportunidades”, divulgado pela Transparência Internacional – Brasil e por CoST (Infrastructure Transparency Initiative), revela que o programa não alcança padrões mínimos de transparência.

A transparência atual dos investimentos do Novo PAC ficou com a nota 8,15 (de um total de 100 pontos) na avaliação, seguindo critérios do guia Infraestrutura Aberta da Transparência Internacional – Brasil.

O programa zerou as notas relativas à disponibilização de informações sobre as fases de planejamento, preliminar e riscos socioambientais, e a fase interna da licitação; sobre consultas prévias livres e informadas à população atingida; e sobre elementos específicos para concessões.

Esses problemas se manifestam na demora para atualização do programa. Até o início do mês, as informações do Novo PAC só tinham dados registrados até julho do ano passado. Agora, a “atualização” termina em dezembro de 2024.

Para esclarecer esses pontos, o NeoFeed solicitou por três vezes nas últimas semanas uma entrevista com o secretário especial do Novo PAC da Casa Civil, Maurício Muniz. Os pedidos não foram atendidos.

Já a 12ª edição do Barômetro da Infraestrutura, um levantamento feito com investidores e produzido pela Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base) em parceria com a consultoria EY, detectou ceticismo e desconfiança com o Novo PAC.

Para 62,83% dos investidores entrevistados, o andamento do PAC não atende às expectativas, enquanto 30,38% acreditam que o programa correspondeu parcialmente. Apenas 2,36% dos entrevistados acreditam que o programa atendeu plenamente às expectativas.

O andamento do PAC não atende às expectativas para 62,83% dos investidores entrevistados da 12ª edição do Barômetro da Infraestrutura

Gustavo Gusmão, sócio da EY especializado na área de governo e infraestrutura, atribui a baixa avaliação dos investidores à falta de comunicação do governo em vender os melhores projetos e da falha em lidar com estados e municípios.

“O Novo PAC é muito diluído em pequenos projetos e o governo não consegue envelopar e amarrar isso de uma forma que seja percebido como um projeto efetivamente estruturante para o desenvolvimento econômico do País”, afirma Gusmão.

Segundo ele, obras segmentadas, que interessam a estados ou munícipios, mas que não têm visibilidade nacional – como compra de ambulâncias – passam uma ideia de baixa execução e de não cumprimento das metas mais amplas do programa.

Nesse sentido, o especialista também diz sentir falta de dados mais concretos e impactantes de grandes projetos, que segundo ele atenderiam a uma linguagem que o mercado de infraestrutura valoriza.

“O nível de governança é diferente do que se vê, por exemplo, em outros projetos do governo, como de saneamento e concessões de rodovias, com pipelines divulgados amplamente ao mercado, de forma detalhada”, diz Gusmão. “O Novo PAC fica mais solto e isso colabora com essa visão cética.”

Outro exemplo, segundo ele, é o Nova Indústria Brasil (NIB), incluído no Novo PAC. Gusmão destaca como mérito o principal instrumento de financiamento do programa, chamado Plano Mais Produção (P+P), que corre num rimo de quase R$ 400 bilhões.

Mas o conceito do NIB, como um todo, segundo ele, carece de clareza na governança, de monitoramento das metas, na correlação de ação da política pública com resultado.

“Tem uma parte nebulosa: se apropria como desdobramento do programa o anúncio do setor produtivo de investimento de mais de R$ 2 trilhões”, afirma. “Claro, imaginamos que tenha a mão da política pública no meio, mas o que disso se refere a ações concretas que estão sendo feitas no âmbito do programa?”, questiona.

Rafael Martins de Souza, pesquisador do FGV CERI (Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura), afirma que é necessário virar a chave e mudar a forma de pensar os programas de políticas públicas no País, priorizando planos de longo prazo.

Segundo ele, os ciclos políticos-eleitorais fazem aparecer muito dinheiro, de uma hora para outra, como o Novo PAC, que propõe tocar um choque de demanda de R$ 1,7 trilhão sem pensar no longo prazo: “Esses programas são feitos como se tivéssemos um exército de engenheiros, de administradores, de mão de obra de construção civil disponíveis.”

Uma opção para evitar o desperdício de recursos, em sua visão, além de um planejamento, é que os programas públicos tenham foco na prestação de serviços, que na prática é o que o cidadão quer. “As startups têm essa preocupação de colocar o cidadão no centro, precisamos fazer política pública com essa pegada”, sugere.

Balanço

Num evento no início do mês, a Secretaria Especial da Casa Civil anunciou os resultados dos dois primeiros anos do Novo PAC. De acordo com os dados, dos R$ 711 bilhões executados – que correspondem a 53,7% do previsto para os quatro anos do programa -, quase metade, R$ 345 bilhões, foi proveniente de investimentos do setor privado.

Os recursos do Orçamento da União foram de R$ 71,3 bilhões nos dois primeiros anos e outros R$ 5 bilhões são de fundos setoriais. As estatais investiram R$ 106 bilhões. Há ainda R$ 183 bilhões de financiamentos.

Dos mais de 23 mil empreendimentos previstos pelo programa, 16,6% haviam sido concluídos até o fim de 2024. Outros 22,4% estavam sendo executados e 2.836 obras estavam em fase de licitação ou leilão. Um dado chamou a atenção: 48,6% dos empreendimentos estavam em suas fases iniciais, de estruturação de projetos.

Dos mais de 23 mil empreendimentos previstos pelo programa, 16,6% haviam sido concluídos até o fim de 2024. Outros 22,4% estavam sendo executados e 2.836 obras estavam em fase de licitação ou leilão

Venilton Tadini, presidente da Abdib, vê com naturalidade a maioria dos valores já executados serem de investimentos privados. “O setor público é mais lento”, diz. Mas destaca avanços significativos do programa em relação aos PACs anteriores.

“Tem prioridades definidas, articuladas com entes subnacionais, com investidor privado fazendo grande parte do investimento”, observa, acrescentando que a estrutura da Casa Civil agrega, além do Novo PAC, o Programa de Parcerias para Investimentos (PPI) do governo federal – criado para promover investimentos privados em projetos públicos.

“O Novo PAC na verdade incorporou o PPI, ou seja, sistematizou um conjunto que já existe”, diz. Tadini vê outros avanços, como maior robustez em termos de concepção e na priorização de projetos, e os efeitos da curva de aprendizado na qualidade de estruturação de projetos, o que não havia nos PACs 1 e 2.

O presidente da Abid diz que a participação do mercado de capitais em programas públicos como o Novo PAC só é possível por causa melhorias regulatórias dos últimos anos e reformas como a marco do saneamento, além da criação de debêntures e outras ferramentas de apoio ao financiamento.

“Temos estrutura de financiamento externo com reserva cambial, com superávit estrutural de balanço comercial e seguro de risco cambial”, prossegue, lembrando que o BNDES também avançou, não só fornecendo financiamento, como estruturando projetos.

“É o primeiro ciclo de investimento de longo prazo que o Brasil tem essas três fontes bem alicerçadas para fazer o desenvolvimento: fomento, recurso externo e mercado de capitais”, diz Tadini. “Nenhum ciclo anterior teve mercado de capitais com aprovação de debêntures de infraestrutura para atingir investidor institucional.”

Apesar dos avanços do programa, um setor essencial do Novo PAC – a construção de trechos ferroviários, que exigem capital intensivo -, vai de mal a pior.

“Apesar do nome do programa, de novo ele não traz novidades em relação a ferrovias”, afirma Olivier Girard, da consultoria Macroinfra, referindo-se aos três projetos relevantes previstos: além da  construção da Fiol, a da Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste) e da Nova Transnordestina.

Para Girard, a paralisação da Fiol trouxe um grande problema para o governo. “Enquanto não for retomada essa obra, não adianta avançar na construção de outros trechos previstos da Fiol, pois não haverá saída para o mar”, diz.

Quanto à Fico, o trecho 1 segue em construção pela Vale, mas o trecho 2 ainda não saiu do papel. A Nova  Transordestina, iniciada nos PACs anteriores, teve mudança de concessão em parte do trajeto. Com isso,  o governo ainda vai fazer concessão do trecho entre Salgueiro e Suape, em Pernambuco.

Renato Correia, presidente da CBIC, representante institucional do setor da construção civil, acredita que o Novo PAC, na verdade, é um programa de longo prazo, que rompe com o hábito das gestões federais de fazerem um planejamento de curto prazo.

“O Nova Indústria Brasil (NIB) é um programa para dez anos, que ultrapassa os mandatos presidenciais de quem está no poder, o que é raro. E o Minha Casa Minha Vida (MCMV), embora as pessoas esqueçam, já tem 16 anos, pois foi iniciado em 2009”, diz.

Correia afirma que o MCMV foi essencial para recuperar o setor da construção civil, duramente afetado desde a crise de 2014-16. O setor teve um PIB de 5,1% no ano passado, bem acima do PIB geral do Brasil, que foi de 3,8%. Só nos anos de 2023, 2024 e 2025, o volume de recursos injetados na economia devem somar mais R$ 380 bilhões.

O programa foi responsável por 54% dos lançamentos imobiliários no Brasil em 2024. No atual governo, a produção deve dobrar, de 300 mil unidades para 600 mil por ano. Mesmo assim, o País ainda convive com déficit habitacional de 7 milhões de unidades.

Em janeiro de 2023, afirma Correia, o orçamento do FGTS para financiar o MCMV estava em torno de R$ 70 bilhões. Esse valor no fim de 2024 chegou a R$ 125 bilhões.

“Se forem aportados, no início de 2025, mais R$ 15 bilhões do pré-sal e mais R$ 15 bilhões do dinheiro do Tesouro, o orçamento do MCMV vai para R$ 155 bilhões, o maior de todos os tempos”, diz.

No início do mês, o governo anunciou mudanças no programa, direcionado para quem recebe até R$ 12 mil, atingindo famílias de classe média.

A expectativa é que 240 mil unidades sejam contratadas na nova faixa em 2025 e 2026. No total, com todas as faixas, o objetivo do governo é entregar 3 milhões de unidades ao fim do mandato, em 2026.

Em relação ao Novo PAC, o presidente da CBIC afirma que é preciso aperfeiçoá-lo. Segundo ele, o “erro” está na demora para os projetos saírem do papel.

“Não é só se comunicar melhor, precisa entregar mais rápido”, afirma Correia. “Vejo o copo mais cheio que vazio, mas o governo sofre com a velocidade das entregas.”





Ceará Agora e Diário do Nordeste

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