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Polo gastronômico da avenida Augusto dos Anjos ganha vida na madrugada – Negócios

Polo gastronômico da avenida Augusto dos Anjos ganha vida na madrugada - Negócios

Os bairros Parquelândia e Varjota já estão consolidados no imaginário da população fortalezense como corredores gastronômicos importantes. Ruas como Ana Bilhar e Azevedo Bolão constituem importantes vias para o comércio alimentar de bares e restaurantes da Capital.

Fora das áreas mais nobres e centrais, a avenida Augusto dos Anjos ganha destaque como um polo importante para a venda de comidas e bebidas durante a madrugada.

Ao longo de pouco mais de 2,5 quilômetros (km), a via serve como ligação das avenidas Américo Barreira e Senador Fernandes Távora, às margens da Lagoa da Parangaba e do terminal de ônibus da Lagoa, ao entroncamento com a avenida Osório de Paiva, no bairro Bonsucesso, próximo ao terminal de ônibus do Siqueira.

Pela manhã, a economia da via está muito fomentada com um comércio forte de materiais de construção. Pisos e revestimentos margeiam as calçadas da avenida. Durante a noite, e principalmente durante a madrugada, o local se transforma e adquire uma configuração diferente.

São variados estabelecimentos comerciais de alimentos e bebidas, desde lanchonetes, açaiterias, sorveterias até restaurantes de comida regional, tudo isso aberto madrugada adentro nos mais variados dias da semana na Augusto dos Anjos. Dentre as certezas, fica claro o fortalecimento do comércio formal — e informal — na Capital.

Diário do Nordeste passou os últimos dois meses percorrendo da periferia à área nobre da Capital e descobriu que a avenida Augusto dos Anjos funciona, ainda que não formalmente, como um polo gastronômico importante da Regional 4 de Fortaleza. Esta é a segunda matéria da série especial Negócios da Madrugada, que busca desvendar o que faz a economia da cidade girar entre meia-noite e seis da manhã.

O sabor regional do Caldeirão da Panelada abre as portas para público da avenida

Para quem vai no sentido Parangaba-Siqueira na Augusto dos Anjos, basta olhar para o lado esquerdo já chegando ao bairro Vila Pery. Uma enorme tenda azul está pronta há 15 anos, o fogareiro aceso sem parar no chão com enormes panelas com comidas que vão desde a mão-de-vaca, passando pelo caldo de mocotó até chegar à tradicional panelada.

É ela inclusive quem dá nome ao local. O Caldeirão da Panelada é parada obrigatória para quem passa pela avenida Augusto dos Anjos em qualquer horário entre 8 horas e 14 horas de quinta-feira, e a partir das 7 horas da sexta-feira até às 7 horas de domingo — e, claro, também durante a madrugada.

A reportagem chegou à barraca pouco depois de 2 horas da manhã de uma sexta-feira e foi muito bem recebida por Cyntia Martins Campos, proprietária do espaço. Moradora do Conjunto Ceará, Cyntia está com a família na Augusto dos Anjos desde 2010, quando resolveram manter na via o Caldeirão da Panelada.

Legenda:

Caldeirão da Panelada atrai clientela na avenida Augusto dos Anjos com comida regional

Foto:

Ismael Soares

Essencialmente um negócio familiar, a comida é feita ali mesmo, e frequentemente mantida aquecida nos enormes fogareiros fincados no chão. Além da mãe de Cyntia, a cunhada dela também cozinha no espaço, e os preços partem de R$ 22 em pratos que servem tranquilamente duas pessoas. 

O local já existia antes de a família de Cyntia chegar. Trabalhar na madrugada, para ela, é uma satisfação, principalmente porque aumenta o faturamento do local. Na comparação com a manhã, o aumento da clientela é de 20%.

A madrugada tem mais movimento do que de manhã. Foi uma coisa meio improvisada da gente fazer embaixo dessa tenda. Todo tipo de público anda aqui, não tem como a gente distinguir: pessoal que trabalha de madrugada, pessoas do forró, não falta cliente, é todo o tempo chegando gente. Na panelada, a gente dá o toque final”.


Cyntia Martins Campos

Proprietária do Caldeirão da Panelada

O funcionamento do local é até 7 horas da manhã de domingo, mas frequentemente esse horário é reduzido. “Acaba mais rápido a buchada, mas já chegou a acabar a panelada também”, relembrou Cyntia. 

Dos salgados à conveniência, Augusto dos Anjos acolhe os madrugadores

Para além da comida regional, a avenida tem ao longo de sua extensão alguns serviços 24 horas, como farmácias e postos de combustíveis. A grande vocação, entretanto, são para os estabelecimentos de comércio alimentar, como lanchonetes

Em uma delas, a Bravos, trabalha o atendente Warlley Neilen, de 20 anos. Na época da entrevista, ele estava há somente duas semanas no emprego, principalmente pelo fato de ser um novo estabelecimento.

A nova loja deu a oportunidade de trabalho para o jovem com tempo de voltar para casa e cuidar de demais atividades rotineiras. Ele mora no Conjunto Ceará, bairro próximo ao Bonsucesso, e elenca os benefícios da madrugada.

“Trabalhar de madrugada me dá maior controle dos meus horários. Entro às 19 horas e saio 7 horas. Trabalho seis dias por semana e folgo um, mas em breve será 12 por 36. O maior movimento é de 2 horas às 4 horas. Vem muito motoboy e taxista, pessoal que sai das festas. É um local que não vende só salgados, mas também comidas típicas nordestinas”, explicou.

Muito longe de ser um reduto de boemia, com pessoas que estão vindo de festas ou que simplesmente querem esticar a noite, as lojas que funcionam na madrugada na Augusto dos Anjos recebem principalmente trabalhadores autônomos.

Existe um movimento. Tem trabalhadores que vêm e se alimentam por aqui. Geralmente a gente atende mais a trabalhadores que encontram o canto aberto por aqui. Ajuda todo mundo no sentido de estar vindo trabalhar, passar por aqui com fome”.


Warlley Neilen

Atendente de lanchonete

Legenda:

Lanchonetes, conveniência: Augusto dos Anjos constitui um importante corredor gastronômico

Foto:

Ismael Soares

Madrugada gera emprego

Na Stop Point, loja de conveniência que funciona em um espaço de um dos postos de combustíveis da avenida, o funcionamento não é 24 horas como do próprio posto, mas está aberto durante a madrugada. 

O fechamento tradicional ocorre pouco depois de 1 hora, mas não raro o horário acaba estendido. O proprietário da conveniência, Fernando Araújo, trabalha no local com a esposa, e pontuou que “existe um movimento forte na madrugada, principalmente no final de semana”.

“Quem vem mais procurar é o público que curte baladas, trabalhadores da madrugada, que passam para fazer lanches, antes, durante ou no fim do expediente, inclusive servidores públicos da área da segurança pública. É importante porque a gente consegue atender diversos tipos de públicos. Aquele pessoal da balada, aqueles que vêm fazer uma refeição, prolongar a diversão, estamos aqui para atender”, expôs.

O conceito de loja de conveniência está muito atrelado ao varejo alimentar que tem como demais representantes atacarejos e supermercados de vizinhança. Para Fernando Araújo, o diferencial desses estabelecimentos em Fortaleza, em geral atrelados ao posto de combustível, é servir de suporte para o consumidor atender às necessidades durante a madrugada, quando nenhum dos outros empreendimentos está aberto.

“A gente consegue atender todo tipo de público, principalmente dos comércios que fecham 22 horas. Coisas de mercantil e minimercado, temos toda essa variedade de produtos para oferecer para o público”, definiu.

Fernando Araújo ainda sinalizou que o mercado da madrugada é bastante diferente dos demais três turnos do dia, mas gera oportunidades que normalmente não estão no radar dos trabalhadores, e disse acreditar que Fortaleza ainda tem um potencial inexplorado no setor. 

A madrugada é muito importante porque além de gerar economia, gera emprego. A gente trabalha só com isso, tínhamos rendas alternativas, mas o foco é só conveniência. Fortaleza deve ter um segmento muito parecido com outras capitais, como São Paulo, que sendo uma cidade que não dorme, Fortaleza tem tudo para seguir.


Fernando Araújo

Dono da loja de conveniência Stop Point

Comércio regional ainda não é contabilizado pela Prefeitura

Desde abril, o Diário do Nordeste percorre ruas e avenidas de Fortaleza para responder à pergunta de quantos estabelecimentos comerciais funcionam 24 horas na Capital. Não há um número exato. Ainda que nas áreas centrais sejam reduzidos os empreendimentos abertos, na periferia, eles se multiplicam na madrugada.

A reportagem demandou a Secretaria Executiva Regional (SER) 4, responsável pelos bairros entrecortados pela Augusto dos Anjos, bem como a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico de Fortaleza (SDE) em busca de informações sobre a quantidade exata de estabelecimentos, que já somam algumas dezenas tanto na avenida quanto nos arredores. Esse levantamento, porém, não existe.

Mais de 110

Esse é o número estimado de estabelecimentos comerciais do Polo Gastronômico da Varjota, segundo levantamento da Prefeitura de Fortaleza de 2020. Não existe um dado similar sobre os empreendimentos na região da avenida Augusto dos Anjos.

Ainda que não seja oficialmente um polo gastronômico, como a Varjota, ou tenha grandes estabelecimentos de alimentos e bebidas, como a Parquelândia, a avenida da Regional 4 recebe “atenção especial” da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania de Fortaleza (AMC) pela “concentração de bares e lanchonetes (…) que mantêm circulação constante de veículos e pedestres“.

Foto que contém fluxo de veículos na avenida Augusto dos Anjos durante a madrugada

Legenda:
Avenida Augusto dos Anjos tem grande fluxo de motoristas de aplicativo durante a madrugada, que aproveitam para usufruir de estabelecimentos abertos ao longo da via

Foto:
Ismael Soares

De acordo com informações disponibilizadas no site da Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor), a avenida Augusto dos Anjos é atendida por quatro linhas de ônibus ‘Corujão’, que só funcionam na madrugada, além de ter dois terminais de ônibus nas proximidades do local (Lagoa e Siqueira).

O titular da SDE, Antônio José Mota, admitiu que a pasta tem conhecimento do ‘polo gastronômico’, constituído ainda que informalmente pelos comerciantes que ocuparam a avenida da regional 4, e destacou que a intenção da Prefeitura é fomentar ainda mais as potências econômicas de áreas mais distantes de regiões centrais e nobres da cidade.

“A intenção da Prefeitura é de que a gente possa descentralizar ao máximo as ações da atividade econômica, principalmente para as regionais. Nesse caso específico da Regional 4, temos conhecimento evidentemente, mas essa tratativa é feita diretamente com os secretários das regionais. A SDE dá suporte na área econômica, de desenvolvimento, capacitação e empreendedorismo”, defendeu.

A Regional 4 informou que a via não é conhecida por um movimento forte de vendedores ambulantes, mas sim de estabelecimentos formais, segmento que é de competência da SDE. Segundo o secretário da SDE, o desenvolvimento da Augusto dos Anjos é um claro indício das vocações de cada local, e cabe à pasta o apoio institucional para as regiões.

Temos hoje 121 bairros divididos em 12 regionais. A atividade econômica da Regional 6, que pega Messejana, Curió, e é completamente diferente do que é prioritário na regional 4. O comércio das regionais é diferente, não existe uniformidade. O que a gente percebe é que existe cada bairro e regional têm a sua particularidade. A gente trabalha em parceria com as regionais. Nossa parte é institucional na questão do apoio, qualificação, conhecimento e empregabilidade para todos os bairros.


Antônio José Mota

Secretário da SDE

“Bairros vão criando vida própria”: Augusto dos Anjos aproveita força do comércio local para virar polo

Caracterizam polos gastronômicos uma série de estabelecimentos de comidas e bebidas que atraem tanto moradores da região quanto turistas. Essa vocação já é observada até mesmo no Caldeirão da Panelada, que já soma quase 70 mil seguidores nas redes sociais.

Para Cláudia Buhamra, professora de Marketing da Universidade Federal do Ceará (UFC), os bairros de Fortaleza estão “criando vida própria”, isto é, seguem as dinâmicas locais e aproveitam as predisposições naturais ou arranjadas para constituir importantes corredores econômicos.

“As boas escolas, os bons restaurantes e os bons comércios também estão nos bairros. Esse comércio da madrugada encontra espaço nas periferias, até porque os produtos, mesmo que não seja de uma qualidade que às vezes não está num shopping center ou tem os preços muito mais convidativos tanto para varejistas como para atacadistas, é um mercado que vale a pena e não apenas pensando no consumidor final”, assinalou Cláudia Buhamra.

“São segmentos não só geográficos, de bairros, mas comportamentais que se encontram. Às vezes tem um que tem a primeira ideia, encontra eco e aí um compra, o outro compra, o outro compra e a força do boca-a-boca vai mostrando o quão benéfico é para aquela região aquela decisão tomada pelo primeiro deles”, acrescentou a especialista.

A professora ainda explicou os conceitos de marketing sobre três tipos de atração de consumidores do ponto de venda, cada um a seu modo, para as regiões:

  1. Atração geradora: Conforme Buhamra, são “negócios grandes que têm força para tirar a pessoa de casa. É um supermercado, um shopping center”;
  2. Atração de vizinhança: “Aquela em que os iguais se aproximam para gerar força da corrente”, apontou a especialista. “Se pegar uma loja daquela e colocá-la sozinha, não vai resistir. Mas quando junta 5, 10, 50, 100, forma como um corredor de negócios onde acaba favorecendo a todos”, completou;
  3. Atração suscetível (ou indireta): A professora da UFC delimita como empreendimentos que não necessariamente estão relacionados ao negócio maior em si, mas que “se colocam ao lado desse corredor de vizinhança iguais porque sabe que as pessoas estarão suscetíveis”. Como exemplos, são lanchonetes ou bares em regiões de alto consumo.

Foto que contém Loja de conveniência Stop Point na avenida Augusto dos Anjos

Legenda:
Loja de conveniência Stop Point na avenida Augusto dos Anjos é um dos exemplos de atração suscetível e de vizinhança, a depender do horário

Foto:
Ismael Soares

Nessa lógica, Cláudia Buhamra evidenciou que, durante o dia, o comércio alimentar da Augusto dos Anjos funciona como suscetível para quem vai comprar materiais de construção, por exemplo. À noite, funciona como vizinhança, com empreendimentos que vendem os mais variados produtos.

“Os bairros da periferia têm um pouco de tudo, tanto da vizinhança, onde os iguais vão se aglomerando e formando os corredores como o suscetível, onde negócios similares acabam criando aquela simbiose”, avaliou.

Experiência bem-sucedida na Augusto dos Anjos pode servir de exemplo para a cidade

Pela própria característica da madrugada de não ser um horário habitualmente comercial, a quantidade de estabelecimentos em funcionamento neste período despenca drasticamente, e fica mais restrita em bairros ou em corredores específicos, como a avenida da Regional 4.

Roberto Kanter, professor de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), argumentou que “a experiência mostra que não se consegue ter comércio de madrugada de maneira genérica para cidade”, e que “isso acaba se concentrando em poucos bairros”.

“Nos dias de hoje, em qualquer lugar do mundo, todas as regiões que funcionam no horário a partir da meia-noite até de manhã necessitam de uma atenção de segurança muito maior, um policiamento, porque tem questões da segurança urbana, é um momento de menor fluxo. Não é uma decisão romântica, mas sim financeira. O varejista, o prestador de serviço, não vai a abrir de madrugada só porque é bacana”, considerou.

O especialista também ponderou que a mobilidade urbana de Fortaleza ganha novas perspectivas com os chamados “bolsões de demanda“, que incluem a panelada, sorveterias e lojas de conveniência, por exemplo, em ecossistema similar ao existente na avenida Augusto dos Anjos.

Não estamos nem só falando do comércio informal. Quando tem as primeiras paneladas, quando vai ver, vira também um ambiente social. Daqui a pouquinho vai começar a ter alguém vendendo castanha, bijuteria, cerveja, um monte de coisa. É o reflexo do fluxo. O lojista quando monta uma loja no shopping, ele não compra segurança, compra fluxo. O varejo precisa disso. Se garante fluxo, vai ter gente vendendo coisas a madrugada inteira”.


Roberto Kanter

Professor de MBAs da FGV

A questão de funcionar na madrugada, constituir um polo gastronômico e, consequentemente, econômico, no entanto, “não é obrigatoriamente um sinal de sofisticação urbana” que faça a Augusto dos Anjos — e Fortaleza — alcançar posições mais altas como um local efervescente, arrematou Roberto Kanter.

Lanchonete na avenida Augusto dos Anjos

Oferta de produtos na avenida Augusto dos Anjos

Legenda:

Exemplo de polo gastronômico da madrugada, Augusto dos Anjos serve de referência em Fortaleza

Foto:

Ismael Soares

“Às vezes isso vai funcionar sazonal. Tem um período do ano repleto de turistas, vamos dizer que tenha lojas ou tenham barracas que funcionam em 24 horas. Não vejo problema nenhum, ao contrário, é legal ter essa sazonalidade”, enfatizou.

Nesta sexta-feira (24), a série de reportagens sobre o que funciona de madrugada na capital cearense chega ao final na regional 12 com a Feira da Madrugada da José Avelino. Lá, nas margens da fundação de Fortaleza, os comércios informal e formal se misturam na difusão de um corredor econômico pujante, mas que enfrenta desafios cruciais.

 



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