A presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Maria Elizabeth Rocha, criticou nesta terça-feira o que chamou de “tom misógino travestido de conselho” usado pelo colega, o brigadeiro Carlos Augusto Amaral Oliveira, para discordar de uma declaração pública feita por Rocha sobre a ditadura militar (1964-1985), na semana passada.
Em pronunciamento no início da sessão da Corte Militar nesta terça-feira, a presidente afirmou que a divergência de ideias é “legítima, o que não é legítimo é o tom misógino, travestido de conselho paternalista sobre ‘estudar um pouco mais’ a história de instituição, adotado pelo interlocutor. Uma instituição que integro há quase duas décadas e bem conheço”, declarou a ministra. Ela chamou a declaração de “agressão desrespeitosa”, que, para ela, atinge “a magistratura feminina como um todo, a quem devo respeito e proteção”.
Em sessão do tribunal na quinta-feira (30), Amaral criticou Rocha após ela pedir perdão às vítimas da ditadura em um ato realizado em São Paulo, em memória do jornalista Vladimir Herzog, morto há 50 anos sob tortura no regime militar. Em sua crítica, o ministro não comentou as palavras da presidente, mas disse que a sua fala não poderia representar a Justiça Militar da União e sugeriu que ela “estude mais a história do país” antes de se manifestar sobre o tema.
Na ocasião, a ministra proferiu um discurso de cerca de dois minutos para pedir perdão “pelos erros e omissões judiciais cometidos durante a ditadura”, citando nomes como Vladimir Herzog, Rubens Paiva, Miriam Leitão, José Dirceu e José Genoino.
“Peço, enfim, perdão à sociedade brasileira e à história do país pelos equívocos judiciais cometidos pela Justiça Militar Federal em detrimento da democracia e favoráveis ao regime autoritário. Recebam o meu perdão, a minha dor e a minha resistência”, concluiu.
Na sessão de hoje, ela esclareceu que o pedido de perdão foi feito em seu nome, na condição de presidente do STM, dentro do limite institucional do cargo que exerce, e que independe de autorização plenária.
“Jamais foi atribuído ao conteúdo do meu pronunciamento, a expressão de opiniões individuais de quaisquer outros ministros. E no tocante à Sua Excelência ministro tenente-brigadeiro do Ar Carlos Augusto Amaral, eu jamais teria o que dizer em seu nome”, afirmou a ministra.
Rocha acrescentou que o ato não revisa o passado, nem tem o intuito de humilhar ou ser um ato político-partidário, mas configura “responsabilidade pública” e um “dever cívico-republicano”.
“Um pedido de perdão deve ser enaltecido como um ato de maturidade democrática, baseado em princípios universais de reparação histórica. O que fiz, em razão das violações aos direitos humanos ocorridas no período da ditadura civil-militar (1964-1985), tem um significado inequívoco. Constitui um gesto de profundo respeito às vítimas e de compromisso com o Estado Democrático de Direito”, completou.
Ainda declarou que o pedido de perdão não é uma novidade e relembrou episódio em que o então presidente do STF Luís Roberto Barroso pediu perdão à Maria da Penha Fernandes em nome de todo o Judiciário e admitiu falhas e omissões, em 2024. O nome da homenageada por Barroso deu origem à lei que combate à violência contra a mulher (Lei Maria da Penha).
A ministra prosseguiu dizendo que a declaração do brigadeiro Amaral teve um pretexto de ataque pessoal e que ataques de cunho misógino não são cabíveis. afirmou que divergências e críticas jurídicas cabem, mas não ataques de cunho pessoal e misógino
Rocha citou o seu currículo “não por vaidade, mas para repelir a desqualificação com viés de gênero, que historicamente tenta minimizar a autoridade técnica de mulheres em posições de liderança”. Por fim, agradeceu às mulheres que manifestaram apoio a ela após as declarações do brigadeiro e reafirmou o pronunciamento feito durante a homenagem a Herzog.
Na sequência, o brigadeiro Amaral disse que a sua manifestação foi um registro da sua indignação, mas que as falas não tiveram “dolo”. Ele refutou a ideia de que as declarações tenham tido caráter misógino, disse que o currículo da presidente é “maravilhoso”, mas reiterou que ela não deveria falar em nome do STM, porque ela não representava a opinião dos membros.
“Faça uma reunião na sua sala e pergunte quem concorda com o que a senhora fala. Por mim, pode fazer até aqui, porque eu já manifestei a minha opinião. Mas sugiro fazer uma reunião fechada para perguntar o que acham dessa coisa que projeta o tribunal de uma maneira muito negativa. Eu só pedi para registrar o meu posicionamento e peço vênia a quem pensa diferente”, declarou.
A presidente respondeu dizendo que as considerações do brigadeiro seriam registradas e reiterou o que falou na homenagem à Herzog. “Pedir perdão é necessário e perdoar é necessário. Eu não retrucarei briga com briga, nem ofensa com ofensa, porque a paz não se aproxima daquele que a quer, mas daquele que a produz”, finalizou.
Primeira mulher no comando do STM
Primeira mulher eleita para assumir a presidência do STM, Maria Elizabeth Rocha tomou posse em março. Logo em seu discurso de posse deixou claro o seu posicionamento, afirmando ser “feminista” e citando uma frase do filme “Ainda Estou Aqui”.
Mineira, Rocha foi indicada ao STM em 2007 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que estava em seu primeiro mandato. Na época, ela atuava na Casa Civil da Presidência, mas só foi escolhida depois que o nome preferido do governo – um homem – foi vetado pelo Senado por não cumprir requisitos legais para a vaga.
A ministra já ocupou, por oito meses, a presidência da corte em 2013, em um mandato-tampão devido à aposentadoria do então presidente. Um colega tentou mudar o regimento interno para que ela não assumisse. Agora, novamente, ela enfrentou resistência. No STM, há um rodízio entre integrantes da Marinha, Exército, Aeronáutica e civis para assumir a presidência, que fica sempre com o membro mais antigo.
Na vez de Maria Elizabeth, o ministro Péricles de Queiroz decidiu também se apresentar como candidato. O que era praxe, virou uma disputa apertada, e ela venceu por 8 votos a 7. Foi apenas um voto de diferença, o seu.
Em entrevista ao Valor em dezembro de 2024, a ministra fez uma defesa das Forças Armadas, rebateu a crítica de que os militares têm muitos privilégios, mas afirmou que os oficiais devem ficar longe da polícia. A ministra ainda contou que o irmão do marido, que é general, foi morto pela ditadura e que, mesmo assim, ele decidiu permanecer no Exército.