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Tem Algo de Podre Neste Mar de Pindorama

Meus caros, ou eu perdi o memorando que anunciava que o mundo virou ao contrário, ou a sanidade coletiva tirou férias e esqueceu de me mandar um cartão-postal. Sinto-me como um passageiro que embarcou no ônibus certo, mas o motorista decidiu que o itinerário agora inclui o surrealismo.
Vamos aos fatos, essa matéria-prima tão fora de moda. Pindorama, esta nossa pátria especializada em nos surpreender, ostenta uma modesta orla de 7.400 quilômetros. Sete mil e quatrocentos quilômetros! Uma distância que, para ser vencida a pé, consumiria sem dó umas três alpargatas, dois chinelos de dedo e, para não perder o costume, uma Havaiana. Some-se a isso o detalhe de que 12% da água doce do planeta resolveu morar aqui.
O raciocínio primário, aquele que a gente aprende antes da tabuada, nos diria que: água + litoral = peixe. Muito peixe. Peixe para alimentar a nós e a mais umas três ou quatro nações de porte médio. Deveríamos ser uma espécie de Arábia Saudita do pescado.
Pois bem. A nação que deveria ter peixe saindo pelo ladrão, a pátria das canoas e jangadas cantadas em verso e prosa, decidiu que a autossuficiência é um tédio. E, num rasgo de originalidade econômica, resolveu importar pescado.
Sim, é isso mesmo. Nós, os donos do aquário, compramos peixe em lata. E não é pouca coisa. A brincadeira já nos custou a bagatela de 700 milhões de dólares. Damos-nos ao luxo de importar salmão chileno para comer na beira da praia, enquanto o nosso pescador artesanal, aquele que não destrói o meio ambiente, assiste à estagnação de seu ofício com a mesma perplexidade com que se olha um mágico tirar um elefante da cartola.
E quando a gente acredita ter chegado ao fundo do poço da lógica, descobre que o poço tem um porão. Entra em cena a Tilápia.
Uma espécie que, convenhamos, não é daqui, mas que já tem cidadania honorária de tanto tempo de casa. A Tilápia, essa imigrante esforçada, fez de tudo para ser aceita. Prestava-se à alimentação do povo. Sua pele, num requinte de sofisticação, virou artigo de moda exportado para o mundo. E, num ato de suprema bondade, sua pele passou a curar as feridas de queimados graves, um milagre dermatológico. Uma criatura que é, ao mesmo tempo, prato, bolsa e curativo.
E qual foi a condecoração recebida por esta benfeitora? Após décadas de serviços prestados, a Tilápia foi oficialmente promovida ao humilhante cargo de “espécie invasora”.
Foi nesse ponto que meu juízo, um sujeito até então paciente, levantou-se da cadeira, pegou o chapéu e disse que precisava de ar, pois o ambiente estava intelectualmente irrespirável. E não voltou até agora.
Portanto, eu pergunto aos senhores. Se alguém encontrar a lógica nesse aquário, por favor, me mande uma mensagem. A minha, aparentemente, se afogou.



Estado do Ceará

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