Nascida com o objetivo de viabilizar parcelamentos de compras online sem passar pelo cartão de crédito, a Pagaleve acaba de captar R$ 47 milhões por meio de um FIDC estruturado pela Bamboo. A operação seria mais uma dentro do boom de crédito estruturado dos últimos anos, não fossem suas especificidades quase inéditas. E os investidores graúdos que o fundo conseguiu atrair.
Muito diferente dos FIDCs de consignados ou atrelados a recebíveis de cartão de crédito, o produto tem como lastro as originações de crédito realizadas pela Pagaleve, cujo principal produto é o Pix parcelado. A estratégia, embora pouco usual no mercado de FIDCs, chamou a atenção da Verde Asset, que capitaneou o fundo ao lado da japonesa Credit Saison.
O fato de o FIDC estar em uma categoria nova, com risco pulverizado e atrelado a uma empresa em crescimento, chamou a atenção de Carlos Reis, head de crédito privado da Verde.
“É um negócio novo. Ele diversifica, inclusive setorialmente, o nosso portfólio”, afirma Reis, ao NeoFeed.
A Verde alocou 70% do investimento por meio dos fundos multimercado e 30% no FIDC IP — fundo aberto da gestora voltado exclusivamente para investimentos em FIDCs.
Lançado no ano passado, o instrumento soma R$ 270 milhões em patrimônio. Todo o investimento foi feito na cota sênior, com expectativa de retorno de CDI + 6% e proteção contra até 15% de inadimplência na carteira do fundo.
“Analisamos tudo que eles já fizeram de histórico até hoje e entendemos que era uma carteira com um comportamento muito interessante e que, de fato, não tem um risco tão elevado, na nossa opinião, mesmo estressando um pouco os cenários”, diz Reis.
Ele explica que a tese de investimento parte do princípio de que, por emprestar a juros mais altos, a Pagaleve deve gerar um excesso de retorno no fundo, aumentando a fatia das cotas subordinadas e, consequentemente, a proteção das seniores. “Quando procuramos outras oportunidades com esse mesmo nível de taxa, o risco não é parecido”, afirma head de crédito privado da Verde.
Conhecendo melhor a empresa — e com a operação se mostrando um sucesso — a Verde vê novos aportes como um caminho natural.
“Não é o caso aqui ainda, mas, uma vez que essa empresa tiver um volume muito maior e for acessar o mercado em centenas de milhões, provavelmente ela vai criar uma classe intermediária, que é a mezanino. Como teremos o conforto de já ter operado há muito tempo, podemos entrar nessa classe”, diz Reis.
A diferença feita em casa
Com a Salesforce, o Banco do Brasil e a australiana OIF Ventures entre os principais investidores, a Pagaleve, fundada em 2021 por Henrique Weaver e pelo australiano Mike Greer, tem crescido a passos largos. No último mês, sua originação alcançou R$ 2,5 bilhões em termos anualizados — 700% acima do mesmo período do ano passado.
A fintech desenvolveu todo seu modelo de análise de risco dentro de casa. Os algoritmos foram construídos do zero e são o motor de decisão para as operações. A Pagaleve analisa toda a transação, ou seja, a pessoa, a loja onde está sendo feita a compra, o dia da semana, o horário. São mais de 100 variáveis que esse “motor” analisa em tempo real, transação a transação.
“Desde o começo, somos nativos em IA”, diz Weaver, que é o CEO da fintech. “O giro é muito rápido. Então é preciso cobrar muito rápido e de forma intensa.”
A Pagaleve tem uma modalidade com prazos mais longos e cobrança de juros, mas é o Pix parcelado sem juros que concentra a maior parte do volume e da receita. Quem paga a conta, diz ele, são os lojistas associados, que desembolsam uma taxa semelhante à do cartão de crédito. São mais de 9 mil parceiros, incluindo gigantes do varejo como Mercado Livre, Amazon e AliExpress.
“Desde que entramos no Brasil em 2023, temos buscado ativamente parceiros que utilizam tecnologia para reduzir o gap de inclusão financeira no país por meio do crédito. A Pagaleve se destaca não apenas por sua abordagem inovadora, mas também pela execução disciplinada e modelo orientado por dados”, diz Alvaro Landi, vice-presidente da operação brasileira da Credit Saison.
Uriã Peul Inhauser, COO da Bamboo, conta que, por se tratar de uma categoria nova no mercado, foram necessárias explicações adicionais no roadshow.
“No caso da Pagaleve, é um arranjo de Pix, então é diferente. Você precisa vincular o contrato que está sendo assinado à transação que foi feita. No cartão, todo o arranjo — registro, adquirência — já está pronto, todo mundo sabe como funciona. Aqui, nós precisávamos não só explicar esse arranjo, mas também como as evidências e toda a custódia ficam organizadas, para não haver problema de verificação, de registro, de acompanhamento e de lastro”, afirma ele.
Outra diferença em relação às carteiras tradicionais de FIDCs é o maior giro da operação. “O giro deles é rápido, porque são, na grandiosíssima maioria, títulos de até 45 dias. O pagamento é quinzenal: paga-se uma à vista e mais três parcelas a cada cinco dias. Então o giro é muito rápido, sabe? A duration da carteira que tínhamos calculado era de 22 dias”, diz o COO da Bamboo.
A estruturação foi a primeira nessa categoria realizada pela Bamboo, que soma 240 operações desde que entrou em operação, em 2021.
“Nós acabamos nos dedicando a empresas que estão crescendo e, muitas delas, têm um modelo de negócio que foge do tradicional, do básico, do que todo mundo já faz. A Pagaleve é um exemplo disso”, afirma Inhauser.