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Da Nova Partitura, à Diva Inconsolável

O mundo, meus caros, é um teatro de costumes, e a economia, sua peça mais longa e enfadonha. Mas, de vez em quando, um ator resolve improvisar no meio do ato, e a plateia, até então sonolenta, senta-se na beira da cadeira. E tivemos, nesta semana, um desses deliciosos momentos de quebra de roteiro.
A cena se passa na próspera e ordeira Holanda. Uma empresa de semicondutores, joia da coroa tecnológica, é legal e devidamente arrematada em leilão por capitais chineses. Tudo conforme as regras da boa convivência capitalista: meses de análise, propostas abertas, contrato assinado. Eis que, no apagar das luzes, a direção do teatro europeu, representada pela sua união de nações, resolve que aquela venda, afinal, era inadequada. Com a desculpa de “proteger o patrimônio”, a empresa foi patrioticamente reavida. Um gesto de soberania, diriam uns. Um espetáculo de soberba, diriam outros, provavelmente sob a orientação atenta de um ponto eletrônico vindo de uma certa ex-colônia britânica descoberta por engano em 1492.
A resposta do ator chinês, porém, foi a de uma estrela que sabe seu valor. Sem chiliques, sem gritos. Com a tranquilidade de quem detém o monopólio do roteiro, ele apenas informou que certos insumos vitais para a continuação da peça europeia entrariam em um período de “reflexão” nos seus portos. Resultado: o maquinário alemão, pilar da opulência do continente, engasgou. A Volkswagen ameaçou parar. A Europa percebeu, talvez tarde demais, que o tiro no próprio pé faz um barulho ensurdecedor.
Este, contudo, era apenas o drama de palco. A verdadeira revolução ocorria no fosso da orquestra. Cansada de tocar sob a regência do dólar, a China começou a distribuir uma nova partitura, escrita em Yuan. Seu sistema de pagamentos, o CIPS, antes uma curiosidade exótica, tornou-se uma via expressa, convidando nações a um comércio sem escalas e, principalmente, sem as bênçãos – e as taxas – do antigo maestro. E nós, o Brasil, com nossos navios abarrotados de soja, minério e petróleo, fomos cortejados para ser o solista principal deste novo concerto.
A proposta é de uma lógica quase pornográfica em sua simplicidade: por que triangular uma venda quando se pode fazer um PIX direto para o comprador?
E é aí, meus caros, que a trama se revela. Estamos assistindo, de camarote, à lenta e agoniada insurreição contra os velhos barões da economia. Aquele clube de cavalheiros que, por décadas, escreveu as regras, operou o caixa e puniu os dissidentes, agora olha para o salão e vê mesas se levantando para dançar uma música que eles não encomendaram. O BRICS, antes um acrônimo simpático, hoje soa como uma conspiração, um motim dos porões contra o convés.
E a diva? A grande e incontestável estrela do show, o Tio Sam? Ah, ele parece ter cochilado em seu camarim, talvez sonhando com seus antigos sucessos. Quando despertou, com o burburinho da nova música, notou que não apenas haviam mudado o ritmo da festa, mas que o bar agora servia drinques em outra moeda. É o desespero da criança mimada que percebe que a fila do pirulito andou, e o seu ficou para depois.
Não se enganem. O futuro é incerto, mas o presente já tem seu roteiro. Divas não entregam o cetro e a coroa com um sorriso nos lábios. A transição não será suave. Preparem-se para uma temporada de chiliques globais, de tuítes indignados e de uma ou outra porta batida com força suficiente para fazer tremer as bolsas de valores. Os barões estão insones, os cabelos em pé, e o espetáculo, finalmente, começou a ficar interessante.
Peguem a pipoca. A noite será longa.



Estado do Ceará

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